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Carnavalize

 


por Bernardo Pilotto

Nos anos 1930, os diversos morros da Tijuca já eram habitados há alguns anos e em vários deles as manifestações carnavalescas se faziam presentes. Em 31 de dezembro de 1931, integrantes de 4 blocos da região decidiram se juntar para fundar a primeira escola de samba daquela área e assim nasceu a Unidos da Tijuca, sediada no Morro do Borel. 

A nova escola já nasceu grande e foi a campeã do carnaval em 1936, com o enredo “Sonhos Delirantes”. Eram tempos ainda de consolidação dos desfiles, que tinham aspectos muito diferentes dos de hoje. A Unidos da Tijuca teve, inclusive, papel importante nesse processo, visto que é atribuída a ela o uso de alegorias que se relacionassem com o enredo proposto. Após esse carnaval, seu melhor resultado se deu em 1948, quando foi vice do Império Serrano.

Dentre esse período, a escola se manteve desfilando em alto nível e entre as grandes escolas até 1959, quando foi rebaixada. Coincidentemente (ou não), esse é ano que o Acadêmicos do Salgueiro, escola de um morro vizinho ao Borel, começa a ganhar destaque fortíssimo no carnaval carioca. 

Comemoração do vice-campeonato da Tijuca em 1948. Foto: Jornal do Brasil/Reprodução: Leonardo Bruno.


O rebaixamento em 1959 teve grande impacto na Tijuca, que ficou no segundo grupo até 1980, quando conseguiu o acesso ao ser campeã do grupo precedente. Era um momento de “mudança de ares”, tanto no Brasil quanto na agremiação. A partir daí, a escola passa a ter enredos que dialogavam com o momento de luta por abertura política que nosso país vivia, passando a chamar atenção, mesmo sem ficar nas primeiras colocações. 

São desse período, por exemplo, os enredos “Macobeba - O que dá pra rir, dá pra chorar” (1981), “Lima Barreto, mulato pobre, mas livre” (1982) e “Templo do Absurdo - Bar Brasil” (1988). 

O pavão foi conquistando colocações intermediárias durante os desfiles seguintes, até que em 1998 foi novamente rebaixada. Mas, diferente do ocorrido em 1959, logo se recuperou, com um grandioso desfile e um ótimo samba (“O Dono da Terra”) em 1999. Ao só receber notas 10 dos jurados, a Unidos da Tijuca voltou com tudo para o Grupo Especial. 

Nos anos 2000, a agremiação tijucana voltou a disputar as primeiras colocações. Foi vice-campeã em 2004 e 2005, quando o carnavalesco Paulo Barros apresentou ao mundo as suas “alegorias humanas”, que logo se tornaram um dos temas de debate dos apaixonados pela festa na época. A Unidos da Tijuca passou a sempre constar entre as favoritas dos desfiles e o título veio finalmente em 2010, repetindo-se em 2012 e 2014. Em 2016 a escola ainda foi novamente vice-campeã. 

Nesses últimos anos, a agremiação vem passando por um processo de reorganização, fruto também do acidente com um carro alegórico no caótico carnaval de 2017. Em 2020, com “Onde Moram Os Sonhos”, teve um dos melhores sambas-enredo do ano, embora não tenha feito uma grande apresentação. Para o próximo carnaval, a Unidos da Tijuca apostou no carnavalesco Jack Vasconcelos e apresentará um enredo sobre o guaraná.


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Selminha e Claudinho, primeiro casal icônico da Deusa da Passarela, desfilam em 2018. Foto: Wigder Frota.

por Bernardo Pilotto

É comum que na época do natal os preparativos para o carnaval já estejam a pleno vapor, com escolas ensaiando, sambas escolhidos, alegorias em pleno trabalho de sair do papel e virar realidade. Para muitos amantes do carnaval, o coração pulsa forte nessa época do ano muito mais por Momo do que pelo Papai Noel. 

E tudo indica que no longínquo ano de 1948, em Nilópolis, cidade da Baixada Fluminense fundada 1 ano antes, também era assim. No natal desse ano, há 72 anos, alguns sambistas da cidade resolveram fundar o Bloco Associação Carnavalesca Beija-Flor, que pouco tempo depois, em 1953, transformou-se na G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis. 

“É ela

Maravilhosa e soberana

De fato nilopolitana

Enamorada deste meu país”

(“A Deusa da Passarela” - Neguinho da Beija-Flor)

Campeã do carnaval carioca em 14 ocasiões, a Beija-Flor é hoje uma das grandes potências da festa, tendo sido um dos pilares fundamentais dos desfiles pelo menos nos últimos 45 anos. Ao longo desse tempo, a escola conseguiu dois tricampeonatos (1976/77/78 e 2003/04/05) e atualmente é a maior campeã da Era Sambódromo - a Passarela do Samba foi inaugurada para o carnaval de 1984.

Nada disso parecia ser possível nem mesmo para o mais otimista do grupo que fundou a agremiação. Liderada inicialmente pelo compositor Cabana, a Beija-Flor alternou altos e baixos e desfiles entre as 3 divisões que existiam no carnaval nos seus primeiros 20 anos. Mas, a partir dos anos 1970, tudo começou a mudar. 

Após a chegada da família Abraão David à presidência, a escola começou a apresentar grandes desfiles. Com uma injeção de dinheiro oriunda do Jogo do Bicho, a Beija-Flor foi atrás de talentos que haviam garantido o bicampeonato para o Salgueiro em 1974/75. Entre os novos contratados, estavam Joãosinho Trinta e Laíla. 

A partir daí e ao longo dos anos, a escola trouxe grandes inovações para o carnaval carioca, como a presença do onírico nos enredos, o crescimento vertical dos carros alegóricos (para dialogar com as novas e maiores arquibancadas que então eram montadas para os desfiles), uma maior profissionalização da preparação das apresentações, a criação de uma comissão de carnaval e o fortalecimento das alas de comunidade (quando a maioria das escolas priorizava alas comerciais). 

Em todo esse período de glórias da escola, a sua voz foi a mesma: Neguinho da Beija-Flor, o intérprete que atualmente está há mais tempo em atividade. 

Outro destaque da escola é sua ala de compositores, responsável por grandes obras do gênero, como Dia do Fico (de 1962), Sonhar Com Rei Dá Leão (de 1976),  A Criação do Mundo na Tradição Nagô (de 1978), Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia (de 1989), O Mundo Místico dos Caruanas nas Águas do Patu-Anu (de 1998), Áfricas - Do Berço Real à Corte Brasiliana (de 2007) e A Virgem dos Lábios de Mel - Iracema (de 2017). 

Para o próximo carnaval, a escola vai trazer o enredo “Empretecer o Pensamento É Ouvir a Voz da Beija-Flor”, sobre a importância dos intelectuais negros brasileiros, reafirmando seu compromisso com a pauta antirracista.
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A poesia que habita a Mangueira foi inventada por um pedreiro de pele preta batizado ANGENOR. Por usar um chapéu maltrapilho, por ironia, os amigos apelidaram Angenor com o título que ainda o acompanha na eternidade: CARTOLA. O príncipe do princípio. O poeta que escolheu as cores da Mangueira. O que cantou as alegrias e as dores do morro. Aquele que ergueu – como quem bate laje, mistura o cimento ou empilha tijolos – duradouro e permanente estado de poesia.

Se a Mangueira chora, ela é uma canção do Cartola que lamenta o peito vazio, o amor que finda e a sentença que o mundo é tal qual um moinho. Se a Mangueira se enche de esperança, ela é um samba do Cartola a anunciar que um dia melhor está por vir. Um convite para correr e ver o céu e o sol de uma nova manhã. Alvorada colorida de beleza. Sem choro, tristeza e dissabor. A lembrança diária de que, ao findar a tempestade, o Sol Nascerá.

Quem lá habita descende desse amálgama de poesia enraizada feito uma roseira. Sim, há roseiras nas favelas. Há jardins e há rosas. Rosas que insistem em nascer. Rosas que brotam dos escombros. Jardim solitário onde, dizem os antigos, ainda está viva a rosa que Cartola cantou, sentenciando quase como queixa que, insistindo em não falar, exala apenas – e ainda hoje – o perfume de sua última enamorada.

Se a poesia de quem guardava e lavava carros ocupa o riso e o pranto de quem mora lá, a voz de outro preto – este, batizado JOSÉ – reside na localidade, habitando-a sem pedir licença. Afirmo, sem medo de errar, que essa voz que paira no ar habita tanto o silêncio das manhãs quanto o burburinho das travessuras dos moleques que brincam quando a tarde cai. Essa voz é a voz de José Bispo Clementino dos Santos. Para a Primeira Estação, o JAMELÃO.

Voz potente como convém aos reis. Reis pretos. Reis, com voz de trovão. Voz de criança que foi engraxate e gritou alto para vender jornais. Voz retinta. De bamba curtido no sereno das batucadas. Voz de pele azeviche. Voz que guarda o visgo saboroso de um jamelão colhido fresco.

Não há como remediar: todo mangueirense que nasce, cresce, sobe e desce aquele morro é acompanhado por essa voz. Essa voz é a voz da própria Mangueira. Ela é uma voz que paira no ar. No claro da manhã e no breu da noite. Uma voz à espreita. Voz quase reza. Voz que ralha e benze os seus.

Não à toa, quando a Mangueira chora, ela é a voz do Jamelão num samba “dor de cotovelo” com letra de Ary e Lupicínio. Triste, ela é o Jamelão em “Folha Morta”. Jamelão em “Ela disse-me assim”. Quando a Mangueira é faceira, ela é a voz do Jamelão em ritmo de gafieira. Solo de piston. Batuta de Severino Araújo. Jamelão, cabaré e Orquestra Tabajara. Quando se enfeita para descer o morro, ser mais bonita e reinar majestosa enquanto desfila, ela é a voz do Jamelão para um samba do Nelson Sargento, Pelado, Jurandir, Darcy e Hélio Turco.

Sinto saudade da POESIA e da VOZ que habita minha escola como todos os que agora estão distantes do convívio com ela. Fechando os olhos para imaginar revê-la, querendo-a pertinho de mim, ouço a voz do JAMELÃO e a poesia do CARTOLA romperem o silêncio que já se estende em demasia. Agora, gostaria de vê-la dançando diante de mim. Reis e rainhas que dançam. Corpos pretos que dançam. Gente que flutua ao dançar. Gente que parece exibir-se para testemunhar que são a descendência e a extensão de uma realeza.

Imaginando-a dançando e coroada, impossível não crer que todo corpo que habita a Mangueira não herda a dinastia de seu mais famoso bailarino. Bailarino preto. Príncipe da Ralé. Um Obá da favela bordado de paetês. O herdeiro da coroa de Marcelino. Mestre dos que querem ser mestre. O samba que risca o chão. Aquele que, já estando velho, dançava como o menino que atendia pelo nome de LAURINDO.

Impossível não crer que toda uma legião que defende a bandeira que ostenta o verde e o rosa da Primeira Estação não guarda a gana e a sede com a qual o mestre-sala DELEGADO defendeu o pavilhão que cortejou por décadas. Décadas de excelência e notas máximas. Difícil não crer que ele não esteja ao menos em uma gota de sangue de toda criança, menino ou menina, que nasceu ou nascerá naquele morro.

Engana-se quem pensa que os habitantes do Morro de Mangueira morrem sem ter o que deixar como herança, assim como estão enganados aqueles que pensam que, os que lá nascem, estão desprovidos de bens. Quando fizeram a partilha da herança deixada por ANGENOR, JOSÉ & LAURINDO, saibam todos que nenhum morador daquele morro ficou de fora. Eles herdaram um bem preciso e precioso. Lá, nascem ricos daquilo que o dinheiro não compra, e nós, quando privados da arte que brota a granel nos corpos da favela, ficamos mais pobres.

Leandro Vieira
Rio de Janeiro, dezembro de 2020.


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por Bernardo Pilotto

Em 17 de dezembro de 1959, há 61 anos, foi fundada a Acadêmicos do Cubango, escola de samba que trouxe grandes contribuições para o carnaval do Rio de Janeiro. Ao longo de toda a sua trajetória, a “verde-e-branco lá de Niterói" trouxe muitas vezes a temática afro em seus desfiles.

Assim como as niteroienses Unidos do Viradouro e Acadêmicos do Sossego, a Cubango também iniciou sua trajetória no carnaval na cidade, tendo conquistado 11 títulos do grupo especial de Niterói. 

Essa trajetória de vitórias começou em 1967, quando foi campeã com o enredo “O Brasil pintado por Debret”. Foi nos anos 1970 que a escola teve seu auge, quando conquistou 6 títulos, incluindo um pentacampeonato (de 1975 a 1979). Foi também nessa década que a escola trouxe pela primeira vez na sua história um enredo afro, com "Coroação do Rei Congo em Sabará", em 1972, ano em que foi campeã. 

A partir de então, a Cubango e sua comunidade passaram a se identificar com essa temática, que se tornou frequente nos desfiles da agremiação. Uma dessas vezes foi em 1979, com o enredo “Afoxé”. Seu samba-enredo foi gravado por Elza Soares, um ícone da música brasileira, algo até então inédito para uma escola de Niterói. 

Nos anos 1980, devido ao enfraquecimento do carnaval niteroiense, a Cubango decidiu se apresentar no carnaval carioca, começando a desfilar nos grupos de acesso em 1986. A escola então teve uma rápida ascensão, chegando ao Grupo A (a segunda divisão) em 1996. Após alternar alguns anos entre os Grupos A e B, a escola se consolidou em definitivo no Grupo A a partir de 2003 (a exceção foi 2009). 

Na Sapucaí, a escola tem feito grandes apresentações, mantendo sua trajetória iniciada lá nos anos 1960. Nos últimos desfiles, a Cubango ficou no quase, chegando a ganhar o prêmio Estandarte de Ouro de melhor escola do Acesso em 2018 e 2019. Nessa última vez, foi vice-campeã da Série A. Para o próximo carnaval, o enredo será “Onilé”, sobre o orixá que representa a base de toda a vida. 
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"Depois da energia elétrica, da energia atômica,
Só uma terceira energia chamada alegria
Poderia realizar grandes eventos."
(A genialidade profética de João Jorge Trinta)


Corações à espera:
– Que será do carnaval?, questionam os sambistas na festa da penha, no oito de dezembro de 1918, séc. XX.

  David Butter, jornalista e pesquisador do carnaval, descreve:

"à época, a festa da penha era um terreno de teste para canções, onde se esbarravam figuras das sociedades, dos ranchos, dos blocos e da incipiente música popular brasileira. Para lá, mudava-se por alguns dias, a pequena África, com as tias baianas e suas barracas."

  O matinal o Paiz, em 03 de março de 1919, descreve:
"O carnaval não morreu. Vingou-se gloriosamente das restrições que o passado lhe impôs na guerra e prestou um ótimo serviço de fazer escurecer a visita macabra da ´espanhola`."

  Extinta a dor da primeira guerra mundial. Asfixiada a gripe espanhola.
  Findo o ano de 1918.
  1919.

"E o mundo não se acabou."
(O carnaval de 1919 foi uma das inspirações para o compositor Assis valente – Música eternizada na voz inesquecível de Carmem Miranda).


Os cronistas dos principais jornais da cidade assinam como pierrot as notícias matinais que prenunciam a chegada do carnaval. No jornal o malho, a charge do cartunista hélios seelinger revela em nanquim traços de saudosos foliões esquecidos do imaginário popular. Momo deixa de ser tratado como rei, é elevado aos céus para ser glorificado como deus, no dia 1º de março de 1919.

Confino a tristeza, me despeço das trevas. Rompo o isolamento de uma infinda solidão. Calçadas testemunham passos contidos, janelas se entreabrem. Inebrio-me com os ares do marca-meu-coração. A casa das fazendas pretas retira os fardos de um luto elegante, que vestiu a dor dos últimos tempos – em seu lugar o lume dos brocados, das rendas e cetins. Entrelaço o olhar nas fitas métricas da boutique le France, recebendo os primeiros foliões. Céu desenhado por varais de ventarolas da casa buis, na rua do ouvidor. A nova dama do cabaré se faz presente nas esquinas da avenida Mem de Sá, seguindo o legado da cafetina Alice Cavalo de Pau, dizimada pela gripe. Sou um pierrot em recesso das redações de jornais. Faço parte da nata da sociedade que se prepara para o último baile pré-carnavalesco do clube dos democráticos. Evoco a vingança da vida!


"…assim é que é, viva a folia!
Viva momo, viva a troça!
Não há tristeza que possa suportar tanta alegria."
(Canção de baile do pré-carnaval dos democráticos, autor desconhecido, 1919).


O carioca instaura a desforra da peste na primeira manhã de um carnaval. Ensaio um canto a contemplar a concentração dos préstitos das grandes sociedades: a barca da vitória, do clube dos Democráticos; a hespanhola, do Tenentes do diabo e o icônico chá da meia-noite, dos Fenianos. Parto no bonde da vingança para a praça da república, conduzido pelo popular jamanta – desvairado folião a retomar a nossa delirante fantasia de viver, levada por espíritos revoltosos. Esbarro nas cocotas emplumadas e me embriago num ardente xarope de calibrina. Desfaço a melancolia de uma face mal-ajambrada, que revela o sorriso envolto à alegria do bloco carões mascarados.

Nas ondas da avenida beira-mar, dou cor à angústia em folhas de papel crepom. Contemplo corsos engarrafados de flertes e melindrosas. Autos que figuram deusas ávidas, despertando o olhar sensual do jovem Nelson Rodrigues. Bandas marciais fanfarram por coretos e boulevards ao denotarem o traço art decò de J. Carlos. Numa das esquinas da Rio Branco, de um bar, exclama um folião: – chegou o caveirinha! Mestre que driblou a morte a desfraldar seu pavilhão, no primeiro desfile do cordão da bola preta. Peço exílio a milhares de corações aglomerados no bloco do eu sozinho – cortejo que rendeu ao folião Júlio Silva, 53 memoráveis carnavais. Nas matinês, o moleque mestiço com chapéu de jornal tico-tico, em que retrato o rio em palavras e desenhos. O beijo na serpentina declara um amor que se desdobra nas batalhas de flores da avenida central.

Reside em mim a eterna fantasia de um palco reanimado. Pernaltas vibram cornetas, que prenunciam os bilhetes dos grandes bailes de clubes e theatros. Escadarias conferem um refinado bailado, sacadas preenchem vivências que revelam a fúria de uma metrópole em festa. Orquestras animam valsas, dando um baile em qualquer tristeza. Bombons adoçam sentimentos. Na luz da ribalta, o equilíbrio dos artistas do circo american-france. Figuras macabras de um salão (diabinhos, morcegos, bruxas) curvam-se à sombra de aplausos aos heróis da cruz vermelha. Descortino lembranças heroicas de vestes bordadas por sagradas mãos do caldeirão da praça onze.

O  carnaval é do corpo e o samba é de alma preta. Na pequena África, reverencio as tias curandeiras que extirparam o mal da gripe de centenas de baianos e mestiços. Borboletas negras clamam a transformação para uma sociedade igualitária. Guerreiros paladinos empunham lanças tribais pela legitimidade do samba – que se faz o principal gênero musical do carnaval. O folclórico grupo caxangá, de João Pernambuco, germina a criação dos oito batutas. Entraram Donga, China e Pixinguinha – a primeira linhagem de sambistas. O lenço negro caído dos sobrados dá lugar ao colorido de estandartes dos ranchos. Evoco o senhor da cura! Cubra-nos com suas palhas! Que teu xaxará afaste de vez todas as mazelas que vierem tocar os sambistas.

O único contágio possível? A alegria.

"A alegria estava entre nós,
Era dentro de nós que estava a alegria.
A profunda e silenciosa alegria."
("Sonhos de uma terça-feira gorda", de Manuel Bandeira).
 

Ar libertário na manhã de um último dia de carnaval. Um rio em transe, de almas cantantes, em uma catarse de alegria.  ´´desmascaro“ um rio que o próprio rio não conhecia – esperança para os dias atuais. Volto aos dias calorosos, dos abraços afetuosos como todo carioca preza. Corpos que se transpassam, mãos que se unem nos reencontros familiares– folião-original a exorcizar toda saudade. Figuram tribos ébrias, corações perambulantes em estado de graça. Euforia que não derrubou a sabedoria dos foliões mais antigos a procurar, na quarta de cinzas, os seus. Pulsa no epicentro da capital, o destemidos do conselheiro, que clama revanche a se ouvir do outro lado da baía de Guanabara.

Aportam na enseada os revanchistas da cidade sorriso, lançados dos corredores da barca xix, Nictheroy-Rio. Alguns ensaiam um funambulesco banho de mar. Outros desembarcam sonhos de uma apoteótica travessia de balão. Sob um sol estridente, esvaíam-se cantoria adentro, embalados pelas composições do poeta barretense zé de matos. O rio de janeiro, memorável, desperta com a emoção que formaria, mais tarde, o chão da unidos do Viradouro.

Adormeço em meio aos últimos foliões resignados: eram trapeiros que carregavam palmos de confetes e serpentinas de uma troça sem fim. Quarenta toneladas de uma folia que teve papel histórico. Retomar a vida pela alegria no maior carnaval de todos os séculos.

"Na quarta-feira de cinzas,
O rio despertou convicto
De que vivera
O maior carnaval de sua história."
("Metrópole à beira-mar, o rio moderno dos anos 20", de Ruy Castro).


Estou me guardando para quando o carnaval chegar.
(Autoria enredo, texto) Marcus Ferreira e Tarcísio Zanon – carnavalescos

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Oxóssi, batida de uma flecha só…

Do Orum, Olorum escreveu nas estrelas os segredos do que é essencial. E foi Orunmilá quem os entregou à ventura dos Orixás. Um deles, gravado no arco esticado. No voo da flecha em silêncio. No ofá que aponta o sentido da vida. Para um dia fazer ecoar uma batida única. Na caixa. De guerra. De festa. E se tornar canto ao pé da jurema. Perfume de alecrim. Frescor da alfazema. Confiança no impossível. Afinação pelo inverso nos versos próprios à mata. Cavaleiro regente dos caprichos da pureza. Cadência e equilíbrio de fauna e flora. Batuta que ouriça ou faz calar o naturalmente belo. Trono e tronco da pulsação no interior de tudo. Rito, grito, apito. De mestre. O passo a passo no ritmo preciso. O disparo sem vacilo. Axoxô com milho, amendoim, coco fatiado e melaço na gamela. Oferenda, toque, licença. Pujança preta iorubana. África, axé e agueré. Olu wó kí rí bode. 

Diz um Itan que houve festejo em Ifé. Colheita do Inhame. Olofin-Odudua, o rei, foi surpreendido. Do seu altar, viu um dos pássaros de Eleyes pousar sobre o palácio. Desafiadora obra das feiticeiras Iyami Oxorongá. Sombra, peste, cólera se sucederam. O Obá tratou de convocar os Odés para a ofensiva. Guerreiros e suas flechas. Foram cinquenta de Oxotadotá. Todas sem direção. Depois, as quarenta de Oxotogi. Nenhum acerto. Por fim, Oxotogum e vinte tentativas. Mas as asas da praga seguiram abertas. 

Eis que o Ifá sinalizou o real caminho: uma lança apenas. E foi Oxotocanxoxô a desferi-la. Instinto de Orixá protetor que atingiu o peito do animal em cheio. Batismo determinante. Fim do mal. Aquele foi o Oxô aclamado: Oxóssi, o Odé, o caçador de uma flecha só. Ofà ofà bèru já. Alegoria fundamental.

Oxóssi, batida de mitos…

O oráculo o fez fruto do simbólico. Em algumas lendas, nascido da própria feiticeira Iyami Apaoká. Jaqueira sagrada. Noutras, filho de Iemanjá e Oxalá. Irmão de Exu, que abriu sua trajetória. E de Ogum, com sua espada de ferro. De afeto. A ensinar sobre a caça. Odé logo aprendeu. Foi ao ataque, para desagrado da mãe. Enfeitiçado por Ossain, encontrou nova moradia na floresta. Abô, banho em deslumbramento. Fez-se provedor dos alimentos. E mò re lè ko lè. Ossain, soberania das ervas e folhas.
Oxóssi-Odé, a mira que não descansa. Passaram a viver juntos. Mas Ogum não se conformava. Trouxe o flecheiro de volta para Iemanjá. Ela o recusou.

Sem conseguir o perdão materno, Oxóssi partiu. Destino traçado. Na arma em desenho de Lua Nova empunhada. Mato adentro, atende por Erinlé. Ou Odé Inlé. Grande caçador de elefantes. Que se apaixonou por Oxum banhada de ouro e mel. Erinlé é, ainda, um rio. Correnteza que beija as águas de Oxum. Amor e rivalidade. Desejo e conflito. Do encontro apaixonado e caudaloso, nasceu Logum Edé. Filho metade matagal, metade cachoeira. Homem e mulher. Guerra e espelho. Saiu aos seus. 

Oxóssi. Odé. Também chamado Ibualama. Água profunda. Sabedor dos caprichos do submerso. Senhor da prosperidade na ciranda dos Orixás. Aquele que salta a fronteira do impossível: não crê no frio da morte. Dribla Ikú com valentia em suas andanças. Vitorioso na peleja contra o juízo final até mesmo no proibido. Ao flechar a serpente Oxumarê sem permissão superior, foi atingido por feitiço. Mas escapou da passagem. Como sempre. Concessão de Orunmilá.

Oxóssi, batida de luta…

Seguiu adiante. Certeza no improvável. Alvo. Ação. Abate. Longe de titubeios até mesmo quando o trono foi seu. Sim, Odé é rei africano. Rei do Kêtu. O Alakétu. De alteza concedida por Oxum para salvá-lo de outros caçadores. Coroa legitimada pela supremacia do Orum. Mito adorado pelo povo. Oluaiyè a aréré. Kêtu, região de tradição Iorubá sob a árvore sagrada. Kêtu, entreposto de riqueza e comércio. Kêtu, menina dos olhos da cobiça. De Oyó. De Daomé. Da Europa imperialista. Não tardou para o tempo virar sobre o planalto de solo avermelhado. Batalha. O Kêtu sucumbiu ante as tropas daomeanas invasoras. Portal de entrada conquistado. Saga em desalinho.

O culto a Oxóssi foi atingido pela queda do reino. Em fugas. Em massa. Em mortes. Mas o ícone também se espalhou. Memória oral como frasco aberto. Essência do Candomblé solta no ar. Em velas ao mar que transformaram a experiência de mulheres e homens.

Sobrevivente no tumbeiro. Irukerê que afasta os maus espíritos. Eco ancestral sem amarras. Desembarque. No Brasil, em Cuba, na mistura efervescente das Américas. Lamento escravo na senzala. Veias abertas.

Oxóssi, batida de sincretismo…

Com os pés aqui, assentou-se no alastramento. Raiz nova em solo que tudo dá. Dono da terra desbravador. Operador da dimensão do encanto. Nagô. Angola também. Cabila. Mutalambô provisor. Arqueiro divino de Zambi. Criador das estrelas. “Que iluminam Oxóssi lá no Juremá”. Preto. Das giras. Mandinga. Macumba. Umbanda. Nação de nações apinhadas. Dorso de aço. Pé de vento. Divindade que dança. Índio. Linhas de caboclo. “De Aruanda”. Pena branca. Jupiassu. Sete flechas. Boiadeiro. Ventania. Dona Jupiara. Sete Encruzilhadas. Das tabas todas consagradas na sua energia.

Orunmilá gravou em Odé a percussão que alforria corpos e almas do Gigante. Ponto riscado. Traje em verde ou azul. Legião de filhos de cabeça feita. Quinta-feira de Ossé. Sincretismo. Salve Jorge na Bahia. O Amado e o Guerreiro. Guardião das noites enluaradas. Casa Branca. Gantois. Ilê Axé Opô Afonjá. A força de Mãe Stella. São Sebastião do Rio de Janeiro. Padroeiro cristão flechado. Falange Tupinambá derrotada. Santo e Orixá. Fusão em dorso nu. Antropofagia simbólica de algozes à beira do cais. Sagrado e profano. Folia.

Oxóssi, batida de festa…

Tribo de quintal sob melodiosa tamarineira. Cacique. De Ramos. Da Uranos. Dos que não cancelam os frutos do tambor. Ubirajara, Ubiracy, Ubirany. Aymoré. No ramal Deodoro, salta em Oswaldo Cruz ou Madureira. Águia e jaqueira sagradas. Apaoká do samba. Tabajara. Paraíso no alto do morro. Arroz-com-couve irmanado ao Boi Vermelho. Como Odé e Ossain em harmonia nos mistérios da mata. Zona Oeste por cartão de identidade.

Agueré depois do apito final na pelada de várzea. Rum, Rumpi, Lé. Ogãs a repercutir a gramática do atabaque. Xirê em torno da sábia Chica. Tia. Mãe. Ifá. De grêmio boleiro a grêmio de terreiro no bairro com nome de padre. Mesa posta por Maria do Siri, receita dos Trindades, toque final de Oliveiras. Pipa solta que vira estrela de cinco pontas. Herança dos enigmas que Olorum salpicou no céu. Vivinho. André. Macumba. A primeira, a segunda, a terceira.

Lavadeira, Galo Velho, Miquimba. Instrumentos calados. Mergulho no abismo. Paradinha. Para o renascer cadenciado no tempo certo. Cuidado feminino no chocalho de platinela, ronco da cuíca de Quirino, mão preta que vibra o couro em sintonia com o peito. A caixa. A síncope. A raiz. Flecha certeira que conduz de volta ao começo e gira a roda da existência. Pioneira. Guilherme, Coronel Tamarindo, Vintém. Avenida. Brasil, do carnaval, do sonho. Ponto Chic. Faro em movimento. Trem partindo da estação. Caçada batuqueira que desce até o Centro. Para a glória e vitória do axé. “Tupi, cacique, poder geral”. Bira, Jorjão, Coé. Dudu.

Tesouro, aglomeração e abraço sem medo de toda uma gente.

Odé é coisa nossa. Não existe mais quente.

Oxóssi é a bateria da Mocidade Independente.

Okè arò, okè.

Enredo dedicado aos ritmistas de ontem, de hoje e de sempre que compõem a alma de nossa escola…


Carnavalesco e criação: Fábio Ricardo
Sinopse e ideia original: Fábio Fabato
Pesquisa e defesa de enredo: André Luis Junior


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por Bernardo Pilotto


Hoje é aniversário de 88 anos da Associação Recreativista Escola de Samba Vizinha Faladeira, uma das escolas de samba mais antigas do Rio de Janeiro. Tendo como base os bairros da Zona Portuária, um dos berços do samba carioca, a escola chegou a ganhar um título do carnaval logo nos seus primeiros desfiles, em 1937, sendo uma das principais agremiações cariocas na primeira década de desfiles. 

Logo depois da sua maior glória, a escola passou também pela sua maior provação: em 1939, a Vizinha foi desclassificada ao apresentar o enredo "Branca de Neve e os Sete Anões", já que este tema, de estrangeirismo, ia contra o regulamento da época.

Depois da desclassificação, a escola ainda participou do desfile de 1940 para demonstrar seu protesto com a decisão do ano anterior. Após dar seu recado, a agremiação optou por paralisar suas atividades. 

Foi apenas em 1989 que a bandeira da Vizinha Faladeira foi desenrolada, a partir da iniciativa de moradores dos bairros da Zona Portuária. A escola teve então um momento de rápida ascensão, chegando a desfilar no Grupo A (segunda divisão) de 1995 a 1997. Após esse ligeiro crescimento, a escola voltou a oscilar entre outros grupos de acesso, voltando ao Grupo A apenas em 2005 e 2006. 

No começo dessa década, a escola experimentou novamente um bom momento, devido a diversos investimentos públicos ocorridos na Zona Portuária. Foi dessa forma que a Vizinha teve sua quadra reformada, o que deu um novo gás para os foliões. Mas, mesmo com vários bons desfiles, a escola não conseguiu retornar para a Sapucaí, tendo seu melhor momento em 2018, com o 4º lugar conquistado no Grupo B, a última etapa antes de voltar ao palco principal do carnaval.

Essa sensação de que estava sendo passada para trás levou a Vizinha a ser protagonista, junto com outras escolas, da criação da LIVRES, uma liga alternativa à LIESB (liga esta que organiza os desfiles dos grupos da Intendente Magalhães). Em 2020, estreando na LIVRES, a Vizinha obteve o 5º lugar. Para o próximo carnaval, a escola deve se manter desfilando pela LIVRES, buscando que esta seja reconhecida pelas outras ligas do carnaval. 


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por Bernardo Pilotto

O Grêmio Recreativo Escola de Samba Educativa Império da Tijuca foi fundado nesta data, 08/12, em 1940. A verde e branca do Morro da Formiga é, portanto, o primeiro "império do samba". Nasceu dentro de uma escola e por isso acrescentou o termo "educativa" ao seu nome.

Até o final dos anos 1970, a escola desfilou na maior parte das vezes nos grupos de Acesso, com poucas passagens pelo grupo principal do carnaval carioca. Nesse período, a escola apresentou enredos tradicionais na maioria de suas apresentações. 

O Império da Tijuca teve seu melhor momento nos anos 1980, quando esteve por 5 vezes na elite dos desfiles. O grande destaque desse período é o enredo de 1986 ("Tijuca, cantos, recantos e encantos"), momento em que a escola foi para a Sapucaí com um dos sambas-enredo mais conhecidos de sua história.

Depois de apenas uma participação no Grupo Especial nos anos 1990, a escola voltou a desfilar no Grupo Especial apenas em 2014. Após o forte campeonato na estreia da Série A, em 2013, com “Negra pérola mulher”, no ano seguinte cantou “Batuk”, quando foi muito bem avaliada pelo público e infelizmente acabou rebaixada, em um dos julgamentos mais contestados dos últimos anos. Entre essas duas passagens pelo Grupo Especial, a escola esteve em momentos ruins, quando se apresentou no Grupo B (a terceira divisão da época). 

De 2014 pra cá, a escola vem tendo bons desfiles no Grupo de Acesso, ainda que sua melhor colocação tenha sido um 4º lugar em 2019. Para o próximo carnaval, a escola cantará "Samba de Quilombo - A resistência pela raiz", uma homenagem a G.R.A.N.E.S. Quilombo.



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Texto por Beatriz Freire e Juliana Yamamoto
Revisão por Luise Campos

A série “Giro Ancestral” está na sua segunda temporada, na qual toda segunda-feira do mês de novembro mergulhamos no universo dos nossos mestres-salas e porta-bandeiras, compreendendo a magia que envolve sua arte. Iniciamos conhecendo algumas porta-bandeiras e mestre-salas históricos do Carnaval carioca e paulistano, esmiuçamos sobre um instrumento de trabalho essencial para as damas e superamos todas as imprevisibilidades de um desfile para traçar o caminho para a nota 10 dos casais. No último texto, conhecemos os estilistas da moda carnavalesca e seus ateliês, que vestem casais para o grande dia. Hoje, encerrando a segunda temporada, elencamos os grandes campeões do Rio e de São Paulo: os caçadores de títulos.

Ainda na primeira temporada, listamos os casais que por maior tempo permaneceram bailando juntos. Hoje, surfando no mesmo mar, mas não na mesma onda, preparamos um ranking especial com os mestres-salas e porta-bandeiras que, juntos, foram o maior número de vezes campeões do Carnaval. Mais do que excelentes guardiões, será que poderíamos chamá-los de amuletos da sorte? Confiram só!

Manuel Bam-Bam-Bam e Dodô (11 campeonatos)

Manuel e Dodô conquistaram juntos nada menos do que 11 títulos pela Portela. Um marco até hoje não superado, mais de oito décadas depois da primeira conquista. Foto: Reprodução/Internet

Os primeiros colocados do Rio de Janeiro colocaram o sarrafo lá no alto logo nos primórdios dos desfiles das escolas de samba. Há mais de oitenta e cinco anos, a jovem Dodô estreou no posto de porta-bandeira da Portela, ao lado de Manoel Bam-Bam-Bam, seu mestre-sala, que poucos anos antes transformaria o bloco "Quem Nos Faz é o Capricho" na "Vai Como Pode". Naquele mesmo ano - em 1935, para ser mais precisa -, os dois já puderam soltar da garganta os gritos de comemoração do campeonato. Aquele seria apenas o primeiro, tanto da carreira do casal quanto da agremiação que representavam, em um curto intervalo de tempo que ajudou a garantir à escola o título de maior campeã até hoje. Quatro carnavais depois, em 1939, o feito se repetiria. Na década de 1940, quando a Portela levou praticamente todos os títulos para Madureira, os dois foram o casal defensor do lendário heptacampeonato. Dos doze anos em que estavam ocupando aquele cargo até então, só não foram campeões em cinco oportunidades. Dodô e Manuel fecharam a posição que lhes consagra até hoje com mais duas conquistas: em 1951 e, por fim, em 1953, ano de supercampeonato.

Claudinho e Selminha Sorriso (10 campeonatos)

Claudinho e Selminha no desfile de 2007, um dos dez campeonatos que conquistaram juntos. Cumplicidade e excelência os ajudaram a faturar tantos títulos. Foto: Fábio Rossi/O Globo.

Maravilhosos e soberanos, eles formam o casal com maior potencial da atualidade para romper os feitos de Dodô e Manuel. Inconfundíveis, Claudinho e Selminha Sorriso traçaram uma trajetória de, aproximadamente, trinta carnavais de união, que resultou em dez títulos para suas carreiras até o momento. Apesar de serem conhecidos por defenderem o azul e branco da Beija-Flor de Nilópolis, a formação da dupla como primeiro casal aconteceu na Estácio de Sá, no ano de 1992, quando também foram campeões logo de cara, no desfile "Paulicéia Desvairada", o primeiro título deles. Permaneceram na escola por mais três carnavais, mas nenhum outro título foi conquistado. Em 1996, o jovem casal chegou, enfim, à Deusa da Passarela para defender as suas cores. Foram dois carnavais de boas posições - terceiro e quarto lugares, respectivamente, até que conquistassem o primeiro campeonato pela Beija-Flor, em 1997. Com dois títulos, dali pra frente decolaram: muitos vices-campeonatos, estandartes de ouro e a consolidação como exemplos de mestre-sala e porta-bandeira pavimentaram o caminho de Claudinho e Selminha - diminutivos apenas nos apelidos - rumo a outros oito títulos junto à Beija-Flor, com um tricampeonato de 2003 a 2005.

Chiquinho e Maria Helena (6 campeonatos)

Chiquinho e Maria Helena, filho e mãe, entraram para a história do Carnaval como um dos mais famosos e talentosos casais já formados.No caminho que traçaram juntos, conquistaram seis títulos, todos defendendo as cores da Imperatriz Leopoldinense. Foto: Wigder Frota.

É praticamente impossível não conhecer a parceria de vida de Chiquinho e Maria Helena, tanto determinada pelo laço sanguíneo e afetivo de mãe e filho, quanto a de entrosamento na Avenida. Ela, que a duras penas batalhou por emprego, moradia e comida para criar o filho Chiquinho e, mais tarde, Elizangela, se encantou com o bailado da porta-bandeira ao ver Neide dançar ao lado de Delegado em uma noite de ensaios na quadra da Mangueira. Juntos, os dois fizeram história na Imperatriz Leopoldinense: primeiro a mãe, que já tinha alguma experiência na dança. Chiquinho era o segundo mestre-sala da agremiação quando Bagdá, parceiro de Maria Helena no posto oficial, saiu da escola. Em 1983, mãe e filho passaram juntos, então, a integrar o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da agremiação. O primeiro título veio seis anos mais tarde, no Carnaval de 1989, com o famoso desfile “Liberdade, liberdade! Abre as asas sobre nós”. Pouco tempo depois da chegada de Rosa Magalhães à escola, parecia estar formado o verdadeiro time dos sonhos. Dito e feito. Nos oito carnavais realizados entre 1994 e 2001, o casal foi campeão até com uma nota 9,5, e só não levantou o caneco em três oportunidades (1996, 1997 e 1998). 

Delegado e Neide (5 campeonatos)


Neide e Delegado são considerados por muitos um dos maiores casais de mestre-sala e porta-bandeira existentes no Carnaval carioca. Juntos, estiveram presentes em cinco títulos da Estação Primeira de Mangueira. Foto: Amicucci Gallo

Delegado já era mestre-sala da escola há dez anos quando Neide passou a ocupar o posto de porta-bandeira ao seu lado, em 1954. A entrega e paixão dos dois pela dança, traduzidos em tanta elegância, criaram um bailado único e muito enamorado. Delegado nunca tirou nota menor que dez e assumiu também cargos como diretor de bateria, harmonia e ritmista na escola. O primeiro campeonato, como se observa mais uma vez nesta lista, veio logo no primeiro ano de parceria. E muito mais estaria por vir. Apesar dos dezoito carnavais ininterruptos juntos, sequenciados por mais três que viriam após a separação da dupla, Neide e Delegado ostentaram notas máximas, mas não exatamente a mesma proporção de campeonatos. Foram novamente campeões com a Mangueira durante a década de 1960 (60, 61, 67 e 68). Depois da volta da dupla, que se separou nos primeiros anos da década de 1970 e retornou para o Carnaval de 1978, Neide já estava debilitada pelo câncer - mas não se entregava - e a Mangueira bebericava as primeiras posições, mas não saciava a sede do caneco. 

Renatinho e Fabíola (5 campeonatos)

Renatinho e Fabíola possuem juntos 5 campeonatos. (Foto: Rota do Samba)

Agora desembarcamos na Terra da Garoa para conhecer os casais de mestre-sala e porta-bandeira que mais foram campeões em sua carreira. Para iniciarmos a lista, começamos com um dos mais tradicionais do Carnaval paulistano: Renatinho e Fabíola. Os irmãos iniciaram na dança em 1992 através da escola de MSPB “Pé Rachado”, comandada por Ednei Mariano e Sidnei Amaral. Em 1993, tornaram-se o primeiro casal do Brinco da Marquesa e, no mesmo ano, entraram para o quadro de casais do Vai-Vai, uma das principais agremiações de São Paulo. Começaram a crescer dentro da escola e ganhar notoriedade pelo excelente bailado, assumindo assim o pavilhão oficial da alvinegra a partir do Carnaval de 1998, na qual foram campeões. Permaneceram na Saracura até o Carnaval de 2005 e juntos conquistaram nada menos do que quatro títulos (1998, 1999, 2000 e 2001). Entretanto, a história vitoriosa de Renatinho e Fabíola não parou aí. Após uma passagem marcante pela escola do Bexiga, a dupla foi mostrar o seu inegável talento para arte na Caçula do Samba, o Império de Casa Verde. Permaneceram na agremiação até 2010, onde conquistaram mais um campeonato em 2006. Juntos, os irmãos possuem 5 títulos em sua trajetória.

Michel e Ildely (7 campeonatos)

Michel e Ildely pelo desfile da Gaviões em 1999. A dupla possui uma linda história pela agremiação. 
(Foto: Realeza do Samba)

O segundo casal da nossa lista representa o amor e a fidelidade a uma única agremiação por 17 anos ininterruptos: Michel e Ildely. A dupla possui o sangue preto e branco dos Gaviões da Fiel correndo em suas veias e já frequentavam a agremiação na época em que ainda era um bloco, acompanhando assim toda sua ascensão no Carnaval paulistano. A história dos dois como defensores oficiais do pavilhão da alvinegra começou em 1990, passando a colecionar títulos, desfiles memoráveis, alguns problemas em suas apresentações, mas sempre com muita superação e amor pela escola que defendiam. O primeiro campeonato da dupla foi em 1991, quando o Gaviões conquistou o Grupo de Acesso. Permaneceram na Torcida que Samba até o Carnaval de 2007, conquistando impressionantes 6 títulos, sendo quatro do Grupo Especial (1995, 1999, 2002 e 2003) e dois no Acesso (2005 e 2007). Apresentações regulares e coleção de notas 10 são a marca registrada do casal que, apesar disso, já sofreu contratempos em suas apresentações, como em 2000, quando o costeiro da Ildely caiu na frente da segunda cabine de jurados, e em 2006, com a quebra do mastro em plena Avenida. Mesmo com imprevistos, nada apaga o brilho e a história de lealdade de um dos casais mais tradicionais do Carnaval e um dos mais importantes da escola da torcida corinthiana.

Jorginho e Rosângela (4 campeonatos)

Jorginho e Rosângela foram um dos principais casais da Roseira. 
(Foto: Desconhecido - Reprodução da Internet)

Desembarcando agora na Freguesia do Ó, um dos casais mais emblemáticos da história da azul e rosa é Jorginho e Rosângela, ou “Nenê”, como muitos gostavam de chamá-la. Até hoje, a dupla é relembrada com muito carinho pela comunidade pelo inegável talento para a arte. Rosângela tinha um bailado muito elegante, além de um sorriso marcante. A dama inspirou muitas porta-bandeiras que surgiram posteriormente, inclusive Isabel Casagrande, a atual defensora do pavilhão da Roseira, que, ao ver a dançarina na quadra, se encantou e decidiu seguir a mesma trajetória. Jorginho foi um dos principais nomes do quesito: seu famoso riscado tornou-se referência e, por ser muito talentoso, ganhou vários admiradores. A dupla esteve presente em quatro campeonatos da azul e rosa: em 1990, 1991, 1992 e 1994, o último pela escola. Jorginho e Nenê encerraram seu ciclo com chave de ouro, colecionando notas máximas e um grande amor pela escola que defenderam.

Emerson Ramires e Adriana Gomes (3 campeonatos)


Emerson e Adriana no Carnaval de 2011. Juntos, a dupla possui 3 campeonatos.
(Foto: Realeza do Samba)

Emerson e Adriana formaram uma parceria duradoura na Mocidade Alegre. Juntos defendendo o pavilhão oficial da verde, vermelho e branco desde 2006, a dupla conquistou três campeonatos: 2007, 2009 e 2012. Emerson é filho de Eneidir Gomes, outro grande nome do quesito e que fez história na própria Morada do Samba e no Vai-Vai. Já Adriana é filha de Maria Gilsa, também referência na arte e que escreveu seu nome na Rosas de Ouro. Antes de iniciarem a parceria vitoriosa pela escola do Limão, Adriana já era primeira porta-bandeira da Morada, porém seu mestre-sala era o Rubens. Com ele, a dama conquistou o título de 2004. A parceria de Emerson e Adriana encerrou após uma fatalidade envolvendo a dançarina no ano de 2012, quando o elevador que estava despencou. Adriana precisou se afastar do Carnaval para se recuperar e, com isso, Emerson começou a dançar com Karina Zamparolli. Juntos, eles conquistaram mais dois campeonatos, em 2013 e 2014, fazendo com que, em toda sua carreira como mestre-sala oficial, Emerson somasse 5 títulos. Já Adriana, após sua completa recuperação, assumiu um novo desafio, agora pela Mancha Verde. Na verde e branca, a porta-bandeira conquistou dois títulos, sendo em 2016 pelo Grupo de Acesso e em 2019 pelo Especial. Em sua carreira vitoriosa como primeira porta-bandeira, Adriana possui 6 títulos. 

Pingo e Paulinha (4 campeonatos)

Pingo e Paulinha no Carnaval de 2018 pela Saracura. A dupla possui 4 campeonatos. 
(Foto: Armando Bruck)

Novamente temos mais um casal da Escola do Povo em nossa lista. Pingo e Paulinha possuem uma das parcerias mais longínquas em atuação do Carnaval de São Paulo. A porta-bandeira é bisneta de um dos fundadores do Vai-Vai, Frederico Penteado, e começou a desfilar pela alvinegra em 1986 ainda pela ala das crianças. Pingo chegou em 2001, desempenhando a função de terceiro mestre-sala. Receberam a difícil missão de substituir Renatinho e Fabíola, um casal vitorioso e que colecionou notas máximas. Mesmo com a grande responsabilidade que possuíam, a dupla tirou de letra e iniciou a parceria que permanece até hoje. O estilo de dança dos dois deu muito certo, já que Paulinha possui giros fortes e Pingo um riscado rápido e cortejo elegante. Juntos, conquistaram quatro campeonatos pela escola do Bexiga: 2008, 2011 e 2015 pelo Grupo Especial e 2020 pelo Acesso, sendo 16 anos de parceria e 16 anos de muito amor e lealdade ao pavilhão que defendem.

“Bem mais que preto, verde e branco ou colorido eu vejo o mundo no estandarte de um cordão. Saudade se traduz em poesia, num lindo pavilhão a tremular, és a bandeira do samba, manto sagrado... a ti vou me curvar.”

Chegamos ao fim a mais uma temporada da série Giro Ancestral. Em todas segunda-feiras de novembro, mergulhamos no universo de mestre-sala e porta-bandeira e conhecemos mais um pouco sobre essa importante e essencial arte para o Carnaval. Um quesito que merece ser cada vez mais valorizado e reconhecido por todos. O casal possui a difícil missão de carregar o manto sagrado de uma escola de samba, de defender e proteger um “pedaço de pano” que representa uma comunidade, que representa centenas de torcedores espalhados por todo o canto do país. Eles, que emanam ancestralidade por onde passam, levam uma enorme responsabilidade em suas mãos. Que continuemos vendo as porta-bandeiras com seus giros horário e anti-horário mantendo seu pavilhão desfraldado a uma altura que possa ser admirado por todos, que continuemos vendo os mestre-salas cortejando e protegendo suas damas com muita elegância, que continuemos vendo essas duplas com um sorriso cativante no rosto e que possamos continuar vendo essa nobre arte ser perpetuada por gerações e gerações.
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Texto: Juliana Yamamoto e Beatriz Freire
Revisão: Luise Campos

A série “Giro Ancestral” está na sua segunda temporada, na qual toda segunda-feira do mês de novembro mergulhamos no universo dos nossos mestres-salas e porta-bandeiras, compreendendo a magia que envolve sua arte. Iniciamos conhecendo algumas porta-bandeiras e mestre-salas históricos do Carnaval carioca e paulistano, esmiuçamos sobre um instrumento de trabalho essencial para as damas e, no último texto, superamos todas as imprevisibilidades de um desfile para traçar o caminho para a nota 10 dos casais. Hoje, iremos conhecer um pouco mais os ateliês que cuidam dos mínimos detalhes para a feitura de fantasias dos casais, dignos das melhores vestimentas.

Para vestir um casal de mestre-sala e porta-bandeira, há de se cuidar mais do que apenas da aparência, que também tem grande importância. A prioridade, na verdade, é que eles estejam seguros e confortáveis para que possam evoluir e executar seus movimentos. É impensável haver uma boa apresentação se a capa do mestre-sala o atrapalha, ou ainda se a porta-bandeira não tem a liberdade de que precisa para fazer os movimentos de braços com a amplitude necessária. Por isso, uma sábia equipe está envolvida nos bastidores desses verdadeiros figurinos de luxo. Tudo importa, desde uma boa modelagem até a colocação de pedras e penas, já que é perfeitamente possível que os jurados descontem pontos do casal pela impressão visual da fantasia e, principalmente, pela queda de alguma de suas partes.

No Rio de Janeiro, o Ateliê Aquarela Carioca é grife mais do que badalada do universo dos casais. Há quase vinte anos no mercado, Leonardo Leonel e Pedro dos Santos, responsáveis pelo ateliê, iniciaram os trabalhos em uma oficina de artes da Herdeiros da Vila, escola mirim da Unidos de Vila Isabel, onde começaram a confeccionar peças aqui e acolá até alcançarem bom desempenho. A realização do trabalho envolve muitas conversas com os carnavalescos, mestre-salas e porta-bandeiras, tendo como objetivo final sempre a reprodução material mais fiel ao desenho que chega às mãos dos profissionais do ateliê. A relação entre casais e profissionais dessas oficinas traz a lealdade de anos de parceria, com a plena confiança da possibilidade mútua de excelentes trabalhos de ambos os lados. Tanto é assim que nem só para brilhar no dia do desfile oficial os casais são vestidos pelas indumentárias de Leozinho e Pedrão. Na divisão das temporadas, em eventos nas quadras e apresentações de grande importância, o voto de confiança é dado mais uma vez para que estejam trajados com vestidos e ternos sem a opulência das fantasias, mas igualmente bem alinhados e apropriados à situação. 

Os trabalhos começam até oito meses antes do grande dia e chegam a demandar noites de sono perdidas para que as fantasias fiquem prontas, garantindo tempo, beleza e conforto para os mestres-salas e porta-bandeiras que as vestirão. Uma fantasia considerada leve não pesará menos que 10 kg ou 20 kg, o que exige, em virtude de um peso que já compõe um elemento a ser sustentado, funcionalidade para a dança.

Léo e Pedrão, responsáveis pelo ateliê Aquarela Carioca, são referências na confecção das fantasias de mestre-sala e porta-bandeira do Grupo Especial e da Série A do Rio de Janeiro. (Foto: Fernando Dias/O Globo)

Não é só no Rio de Janeiro que os ateliês de fantasias vêm se profissionalizando e crescendo cada vez mais. Em terras paulistanas, a quantidade de oficinas envolvidas com os casais de mestre-sala e porta-bandeira só aumenta com o decorrer dos anos. Um dos mais conhecidos e consolidados ateliês paulistanos é do Bruno Oliveira, que além de confeccionar indumentárias dos casais, também tem um grandioso trabalho com destaques, musas e rainhas de bateria. Bruno sempre foi um grande admirador da arte de mestre-sala e porta-bandeira: chegou até fazer cursos e exercer essa função. Começou a trabalhar com fantasias de casais a partir do Carnaval de 2009, quando recebeu o convite do carnavalesco Tito Arantes, da Águia de Ouro, que estava no Grupo de Acesso. A partir daí, Bruno não parou mais, firmando-se como um dos maiores nomes no segmento e sendo referência quando o assunto é figurino.

 
O croqui da fantasia do casal oficial da Nenê de Vila Matilde para o Carnaval 2015.(Foto: Bruno Oliveira - Instagram)

Jeff e Janny, primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira na concentração para o desfile da Nenê de Vila Matilde em 2015. (Foto: Bruno Oliveira - Facebook)

O início da confecção da fantasia de um casal varia de escola para escola e a tendência é começar faltando 4 meses para o Carnaval, ficando pronta em 1 mês ou até 3 meses. No caso do ateliê do Bruno Oliveira, há agremiações que pedem para que ele e sua equipe desenvolvam o figurino, passando apenas o tema. Outras já dão o figurino, mas são flexíveis para alterações e, por fim, em algumas a indumentária é trabalhada em cima do croqui do carnavalesco. Sempre quando começam a produção é feito um “laboratório da roupa”: uma pesquisa inicial de materiais e de possibilidades que aquele figurino poderá oferecer. Após o início da elaboração das fantasias, há as provas com os casais, que acontecem de 2 a 3 vezes para ajustes em costuras e estruturação e de 3 a 4 quando já está em fase de acabamento e montagem. Por fim, há a prova final, na qual a indumentária já está finalizada e os casais se preparam como no dia do desfile. Os dançarinos são maquiados e realizam uma apresentação para a diretoria da escola. A entrega do figurino é realizada até a quarta-feira da semana dos desfiles e no dia oficial, o ateliê possui um “espaço” próximo à concentração do Anhembi, onde ajudam na montagem da fantasia com o casal. 

A estrutura da roupa se dá através de um tecido rígido, que não tenha elastano. Muitas das vezes são escolhidos tecidos mais resistentes, porém não muito pesados. Além disso, também há a presença de fitas de gorgurão para dar estrutura ao tecido e a fita de aço que arma o saiote da porta-bandeira. Há outros materiais que complementam os figurinos, como as famosas “bóias de piscina” que facilitam na montagem dos faisões e de outras penas e o velcro. O ateliê se preocupa muito com o conforto da roupa para a dupla e que ela não atrapalhe ou dificulte os movimentos na Avenida, por conta disso, o debate entre os dois lados acontece constantemente e é necessário para que se entre em um acordo. A relação do Bruno com os casais é a melhor possível, uma vez que sua equipe compreende as peculiaridades que envolvem cada dupla e suas necessidades.

Detalhes da preparação e montagem da fantasia no dia do desfile oficial. (Foto: Bruno Oliveira - Facebook)

Hoje, o ateliê Bruno Oliveira conta com 17 a 25 funcionários, mas é um número que varia de ano para ano. Há uma equipe que trabalha com os casais de mestre-sala e porta-bandeira, outra que cuida dos destaques centrais e uma terceira que trabalha com musas e rainhas, tudo isso para que consigam se dedicar integralmente e realizar os trabalhos com tranquilidade e qualidade. Isso apenas evidencia a geração de empregos nesse segmento e a quantidade de profissionais talentosos que surgem. Além do Bruno Oliveira, há outros ateliês paulistanos que também estão crescendo exponencialmente e fazendo grandes trabalhos, como o Ateliê Ribas de Azevedo, Atelier Rodrigo Andrett - que foi responsável pela confecção de uma das fantasias mais comentadas do Carnaval paulistano em 2020, a do primeiro casal da Colorado do Brás -, o Studio Art Diego Motta, que também é o terceiro mestre-sala da Mocidade Alegre e, ainda, o Hermann Atelier. Além das fantasias para os desfiles oficiais, muitos destes ateliês também produzem roupas para ensaios e eventos especiais para os casais, sempre entregando excelentes figurinos. 

Legenda: Bruno e sua equipe na concentração para o desfile da X9 Paulistana em 2018 com Daniel e Lyssandra. (Foto: Bruno Oliveira - Facebook)

Com o sucesso dos ateliês, muitos casais estão fazendo a famosa “ponte aérea” e tendo figurinos produzidos por equipes de outras cidades, como o caso do primeiro casal do Vai-Vai, Pingo e Paulinha, que, no Carnaval 2020, foram vestidos pelo Aquarela Carioca, famoso ateliê já citado acima. Mesmo com a distância, isso não impediu a produção da fantasia e também as provas para o grande dia. O resultado foi muito positivo e ajudou a dupla a garantir a nota máxima. A tendência é que aumente nos próximos anos esse “intercâmbio” entre os profissionais do segmento. 

A responsabilidade de um ateliê que veste um casal de mestre-sala e porta-bandeira é proporcional aos inúmeros ensaios que a dupla faz, já que a indumentária também é parte do julgamento do quesito. Eles são os responsáveis por dar vida a figurinos luxuosos e encantadores e contribuir para um bom desempenho do casal na Avenida, sendo parte do caminho para a nota 10. Muitas vezes, são desconhecidos do grande público, mas são peças fundamentais para a arte. Num trabalho que levam meses, a equipe que compõe os ateliês acompanha os casais até o momento que iniciam suas apresentações, dando o suporte e apoio necessário para o sucesso no desfile. Semana que vem é o último texto da segunda temporada da série Giro Ancestral. Não percam!

 


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Texto: Leonardo Bruno

Como será o amanhã? Quando a minha alegria atravessar o mar e ancorar novamente em quadras e avenidas cidade adentro, algo terá mudado para sempre na relação dos sambistas com seus símbolos mais benquistos. Alguns de nossos elixires de felicidade estarão lá, intocados, castos e salvaguardados: o arrepio no corpo quando toca a bateria; a energia que move nossos pés rumo ao passo sincopado; a batida forte do coração ao avistar águias, coroas, estrelas, tigres, pavões e leões imponentes; e o cerrar de olhos, acompanhado de sorriso largo, que acompanha letras e melodias de nossa preferência. Sim, virá o dia do reencontro com tudo isso. E estaremos todos juntos, balde no chão, copo na mão, chapéu da Velha Guarda na cabeça, sem hora pra chegar em casa. Mas uma peça desse quebra-cabeças promete não se encaixar da mesma forma quando a sirene do fim da pandemia tocar. Ou vocês acham realmente que, num futuro próximo, nós voltaremos a beijar os pavilhões com a mesma desenvoltura que exibíamos antes?

É, meus amigos, essa fratura exposta dolorida se avizinha para o povo do samba no mundo (imaginemos, ele há de vir) pós-pandemia. A volta às quadras será inevitável – em breve poderemos retomar espaços como os ensaios técnicos, as ruas do bairro, o Baródromo, a Cidade do Samba. Mas será razoável voltar a colocar a boca num pedaço de pano, um a um, em fila? Esfregando a bandeira na testa em oração? Colando os lábios de forma demorada? Alguns apenas simulando o beijo, mas aproximando o rosto com a mão na frente, nariz exposto, amor pela agremiação benzido em forma de perdigotos? Não, esse episódio relicário, infelizmente, será coisa do passado. É com pesar que decreto o fim dessa cerimônia mística-esotérica-sobrenatural-cósmica-apoteótica: beijar bandeira, nunca mais!

Quem já foi a uma quadra de escola de samba sabe como é, e não estranhou nenhum dos cinco adjetivos usados na frase anterior – eu poderia até ter usado expressões Milton-cúnhicas, como bafônica e divinérrima, que não estaria exagerando. Quando a porta-bandeira coloca o pavilhão na cintura, parece que a respiração da quadra fica em suspenso. A plateia se prepara para o momento mágico, o auge da noite, o espocar de fogos no réveillon, a transformação de água em vinho, o apito final do juiz na decisão de campeonato. O pavilhão, erguido, se torna o centro das atenções em qualquer terreiro. Afinal, a bandeira é usada como símbolo da agremiação porque pode ser vista de qualquer lugar, de longe, está acima de todos os componentes, tem visibilidade garantida. Não é à toa que o brasão da escola está estampado ali. De onde você estiver, pode até não enxergar sua detentora, a porta-bandeira, ou seu defensor, o mestre-sala; mas o pavilhão está sempre à vista, soberano e altaneiro.


O pavilhão é o símbolo mais sagrado de uma agremiação. Ele representa ancestralidade e toda uma comunidade.
Cumprimentar e beijar a bandeira da sua escola do coração é um dos atos mais sublimes. (Foto: JoBelli - Reprodução)

E aí começa o show. Conforme as dançarinas rodopiam com seus estandartes, é o mundo que gira à nossa volta. Entramos em estado de entorpecimento involuntário, mesmo sem álcool circulando no sangue, simplesmente pelo fato de participarmos daquele transe coletivo. E elas seguem desenhando sua melhor obra, algumas mais delicadas, outras incisivas, umas com mais ginga, outras com carisma transbordante, o estilo não importa, a hipnose é efeito colateral inevitável quando se avista a dança do casal ancestral.

Em determinado momento, porta-bandeira e mestre-sala param lado a lado. Estendem o pavilhão – mais esticado do que o couro do tamborim. Olham para os componentes. É chegado o clímax da noite. Eles, dois únicos seres abençoados com o privilégio de portar aquele manto, vão conceder a alguns poucos escolhidos, pobres mortais, a honraria de poder beijar o pavilhão. Dentre as centenas ou milhares de componentes presentes ao ensaio, apenas meia dúzia terá essa primazia. Nesta hora, vendo aquelas duas figuras se aproximarem, não existe no mundo comenda mais nobre – nem ser escolhido “Sir” pela Rainha da Inglaterra, muito menos figurar entre os mais influentes na lista da revista “Time”. Qualquer um de nós que faça parte daquela roda, tendo a possibilidade da escolha, optaria por receber a distinção de repousar os lábios no pavilhão. E aí se concretiza o gesto mais sublime já inventado na história do carnaval. Cheio de signos, significados, significantes, ritual puro, liturgia máxima da seita do deus Momo.

O cantor e compositor Chico Buarque beija a bandeira verde e rosa. Foto: Reprodução/Notícias UOL 

Aquele leve toque, de duração infinitesimal, parece durar uma eternidade – quando beijam suas bandeiras, portelenses se transportam para o hepta dos anos 40, mangueirenses reencontram Cartola, independentes regem ao lado de Mestre André e salgueirenses dançam o minueto. É revoar de borboletas, é tocar de sinos, é soco no estômago. Naquela noite, entramos para o rol dos escolhidos. Eleitos pela sua agremiação, nomeados pelo seu pavilhão. Carregamos aquela medalha no peito, aquele carimbo no rosto, até a hora de sair da quadra. Vamos dormir aconchegados, abençoados, iluminados, cobertos pelo divino manto. Alegria maior não há.

Pois essa alegria, meus caros, está com os dias contados. Mesmo que a pandemia abrande, mesmo que o corona vá embora, quem há de voltar aos velhos hábitos em que salivas coletivas são despejadas sem preocupação no mesmo recipiente – ainda que um tão nobre quanto o estandarte? Já imaginávamos que, depois de tudo isso, nunca mais seríamos os mesmos. Mas perder o encontro com essa luz divinal que emana de um estandarte... para isso não estávamos preparados. Já cansei de perguntar quando vou voltar a uma quadra livremente; já estamos exaustos de querer saber quando será o próximo carnaval. Mas, verdadeiramente, a questão que mais ocupa meus pensamentos é: quando vou poder voltar a beijar meu pavilhão novamente?


Leonardo Bruno é jornalista, escritor e roteirista. É autor de três livros: "Zeca Pagodinho - Deixa o samba me levar" (Editora Sonora), "Cartas para Noel - Histórias da Vila Isabel" e "Explode, coração - Histórias do Salgueiro" (ambos da Verso Brasil Editora). Durante 18 anos foi repórter, editor e gerente de negócios do jornal "Extra". Integra também o júri do Estandarte de Ouro há alguns carnavais. 


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