#Giro Ancestral: Os caçadores de títulos - Os casais mais vezes campeões do Carnaval
Texto por Beatriz Freire e Juliana Yamamoto
Revisão por Luise Campos
A série “Giro Ancestral” está na sua segunda temporada, na qual toda segunda-feira do mês de novembro mergulhamos no universo dos nossos mestres-salas e porta-bandeiras, compreendendo a magia que envolve sua arte. Iniciamos conhecendo algumas porta-bandeiras e mestre-salas históricos do Carnaval carioca e paulistano, esmiuçamos sobre um instrumento de trabalho essencial para as damas e superamos todas as imprevisibilidades de um desfile para traçar o caminho para a nota 10 dos casais. No último texto, conhecemos os estilistas da moda carnavalesca e seus ateliês, que vestem casais para o grande dia. Hoje, encerrando a segunda temporada, elencamos os grandes campeões do Rio e de São Paulo: os caçadores de títulos.
Ainda na primeira temporada, listamos os casais que por maior tempo permaneceram bailando juntos. Hoje, surfando no mesmo mar, mas não na mesma onda, preparamos um ranking especial com os mestres-salas e porta-bandeiras que, juntos, foram o maior número de vezes campeões do Carnaval. Mais do que excelentes guardiões, será que poderíamos chamá-los de amuletos da sorte? Confiram só!
Manuel Bam-Bam-Bam e Dodô (11 campeonatos)
Manuel e Dodô conquistaram juntos nada menos do que 11 títulos pela Portela. Um marco até hoje não superado, mais de oito décadas depois da primeira conquista. Foto: Reprodução/Internet
Os primeiros colocados do Rio de Janeiro colocaram o sarrafo lá no alto logo nos primórdios dos desfiles das escolas de samba. Há mais de oitenta e cinco anos, a jovem Dodô estreou no posto de porta-bandeira da Portela, ao lado de Manoel Bam-Bam-Bam, seu mestre-sala, que poucos anos antes transformaria o bloco "Quem Nos Faz é o Capricho" na "Vai Como Pode". Naquele mesmo ano - em 1935, para ser mais precisa -, os dois já puderam soltar da garganta os gritos de comemoração do campeonato. Aquele seria apenas o primeiro, tanto da carreira do casal quanto da agremiação que representavam, em um curto intervalo de tempo que ajudou a garantir à escola o título de maior campeã até hoje. Quatro carnavais depois, em 1939, o feito se repetiria. Na década de 1940, quando a Portela levou praticamente todos os títulos para Madureira, os dois foram o casal defensor do lendário heptacampeonato. Dos doze anos em que estavam ocupando aquele cargo até então, só não foram campeões em cinco oportunidades. Dodô e Manuel fecharam a posição que lhes consagra até hoje com mais duas conquistas: em 1951 e, por fim, em 1953, ano de supercampeonato.
Claudinho e Selminha no desfile de 2007, um dos dez campeonatos que conquistaram juntos. Cumplicidade e excelência os ajudaram a faturar tantos títulos. Foto: Fábio Rossi/O Globo.
Maravilhosos e soberanos, eles formam o casal com maior potencial da atualidade para romper os feitos de Dodô e Manuel. Inconfundíveis, Claudinho e Selminha Sorriso traçaram uma trajetória de, aproximadamente, trinta carnavais de união, que resultou em dez títulos para suas carreiras até o momento. Apesar de serem conhecidos por defenderem o azul e branco da Beija-Flor de Nilópolis, a formação da dupla como primeiro casal aconteceu na Estácio de Sá, no ano de 1992, quando também foram campeões logo de cara, no desfile "Paulicéia Desvairada", o primeiro título deles. Permaneceram na escola por mais três carnavais, mas nenhum outro título foi conquistado. Em 1996, o jovem casal chegou, enfim, à Deusa da Passarela para defender as suas cores. Foram dois carnavais de boas posições - terceiro e quarto lugares, respectivamente, até que conquistassem o primeiro campeonato pela Beija-Flor, em 1997. Com dois títulos, dali pra frente decolaram: muitos vices-campeonatos, estandartes de ouro e a consolidação como exemplos de mestre-sala e porta-bandeira pavimentaram o caminho de Claudinho e Selminha - diminutivos apenas nos apelidos - rumo a outros oito títulos junto à Beija-Flor, com um tricampeonato de 2003 a 2005.
Chiquinho e Maria Helena (6 campeonatos)
Chiquinho e Maria Helena, filho e mãe, entraram para a história do Carnaval como um dos mais famosos e talentosos casais já formados.No caminho que traçaram juntos, conquistaram seis títulos, todos defendendo as cores da Imperatriz Leopoldinense. Foto: Wigder Frota.
É praticamente impossível não conhecer a parceria de vida de Chiquinho e Maria Helena, tanto determinada pelo laço sanguíneo e afetivo de mãe e filho, quanto a de entrosamento na Avenida. Ela, que a duras penas batalhou por emprego, moradia e comida para criar o filho Chiquinho e, mais tarde, Elizangela, se encantou com o bailado da porta-bandeira ao ver Neide dançar ao lado de Delegado em uma noite de ensaios na quadra da Mangueira. Juntos, os dois fizeram história na Imperatriz Leopoldinense: primeiro a mãe, que já tinha alguma experiência na dança. Chiquinho era o segundo mestre-sala da agremiação quando Bagdá, parceiro de Maria Helena no posto oficial, saiu da escola. Em 1983, mãe e filho passaram juntos, então, a integrar o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da agremiação. O primeiro título veio seis anos mais tarde, no Carnaval de 1989, com o famoso desfile “Liberdade, liberdade! Abre as asas sobre nós”. Pouco tempo depois da chegada de Rosa Magalhães à escola, parecia estar formado o verdadeiro time dos sonhos. Dito e feito. Nos oito carnavais realizados entre 1994 e 2001, o casal foi campeão até com uma nota 9,5, e só não levantou o caneco em três oportunidades (1996, 1997 e 1998).
Delegado e Neide (5 campeonatos)
Neide e Delegado são considerados por muitos um dos maiores casais de mestre-sala e porta-bandeira existentes no Carnaval carioca. Juntos, estiveram presentes em cinco títulos da Estação Primeira de Mangueira. Foto: Amicucci Gallo
Delegado já era mestre-sala da escola há dez anos quando Neide passou a ocupar o posto de porta-bandeira ao seu lado, em 1954. A entrega e paixão dos dois pela dança, traduzidos em tanta elegância, criaram um bailado único e muito enamorado. Delegado nunca tirou nota menor que dez e assumiu também cargos como diretor de bateria, harmonia e ritmista na escola. O primeiro campeonato, como se observa mais uma vez nesta lista, veio logo no primeiro ano de parceria. E muito mais estaria por vir. Apesar dos dezoito carnavais ininterruptos juntos, sequenciados por mais três que viriam após a separação da dupla, Neide e Delegado ostentaram notas máximas, mas não exatamente a mesma proporção de campeonatos. Foram novamente campeões com a Mangueira durante a década de 1960 (60, 61, 67 e 68). Depois da volta da dupla, que se separou nos primeiros anos da década de 1970 e retornou para o Carnaval de 1978, Neide já estava debilitada pelo câncer - mas não se entregava - e a Mangueira bebericava as primeiras posições, mas não saciava a sede do caneco.
Renatinho e Fabíola possuem juntos 5 campeonatos. (Foto: Rota do Samba)
Agora desembarcamos na Terra da Garoa para conhecer os casais de mestre-sala e porta-bandeira que mais foram campeões em sua carreira. Para iniciarmos a lista, começamos com um dos mais tradicionais do Carnaval paulistano: Renatinho e Fabíola. Os irmãos iniciaram na dança em 1992 através da escola de MSPB “Pé Rachado”, comandada por Ednei Mariano e Sidnei Amaral. Em 1993, tornaram-se o primeiro casal do Brinco da Marquesa e, no mesmo ano, entraram para o quadro de casais do Vai-Vai, uma das principais agremiações de São Paulo. Começaram a crescer dentro da escola e ganhar notoriedade pelo excelente bailado, assumindo assim o pavilhão oficial da alvinegra a partir do Carnaval de 1998, na qual foram campeões. Permaneceram na Saracura até o Carnaval de 2005 e juntos conquistaram nada menos do que quatro títulos (1998, 1999, 2000 e 2001). Entretanto, a história vitoriosa de Renatinho e Fabíola não parou aí. Após uma passagem marcante pela escola do Bexiga, a dupla foi mostrar o seu inegável talento para arte na Caçula do Samba, o Império de Casa Verde. Permaneceram na agremiação até 2010, onde conquistaram mais um campeonato em 2006. Juntos, os irmãos possuem 5 títulos em sua trajetória.
Michel e Ildely pelo desfile da Gaviões em 1999. A dupla possui uma linda história pela agremiação.
(Foto: Realeza do Samba)
O segundo casal da nossa lista representa o amor e a fidelidade a uma única agremiação por 17 anos ininterruptos: Michel e Ildely. A dupla possui o sangue preto e branco dos Gaviões da Fiel correndo em suas veias e já frequentavam a agremiação na época em que ainda era um bloco, acompanhando assim toda sua ascensão no Carnaval paulistano. A história dos dois como defensores oficiais do pavilhão da alvinegra começou em 1990, passando a colecionar títulos, desfiles memoráveis, alguns problemas em suas apresentações, mas sempre com muita superação e amor pela escola que defendiam. O primeiro campeonato da dupla foi em 1991, quando o Gaviões conquistou o Grupo de Acesso. Permaneceram na Torcida que Samba até o Carnaval de 2007, conquistando impressionantes 6 títulos, sendo quatro do Grupo Especial (1995, 1999, 2002 e 2003) e dois no Acesso (2005 e 2007). Apresentações regulares e coleção de notas 10 são a marca registrada do casal que, apesar disso, já sofreu contratempos em suas apresentações, como em 2000, quando o costeiro da Ildely caiu na frente da segunda cabine de jurados, e em 2006, com a quebra do mastro em plena Avenida. Mesmo com imprevistos, nada apaga o brilho e a história de lealdade de um dos casais mais tradicionais do Carnaval e um dos mais importantes da escola da torcida corinthiana.
Jorginho e Rosângela (4 campeonatos)
Jorginho e Rosângela foram um dos principais casais da Roseira.
(Foto: Desconhecido - Reprodução da Internet)
Desembarcando agora na Freguesia do Ó, um dos casais mais emblemáticos da história da azul e rosa é Jorginho e Rosângela, ou “Nenê”, como muitos gostavam de chamá-la. Até hoje, a dupla é relembrada com muito carinho pela comunidade pelo inegável talento para a arte. Rosângela tinha um bailado muito elegante, além de um sorriso marcante. A dama inspirou muitas porta-bandeiras que surgiram posteriormente, inclusive Isabel Casagrande, a atual defensora do pavilhão da Roseira, que, ao ver a dançarina na quadra, se encantou e decidiu seguir a mesma trajetória. Jorginho foi um dos principais nomes do quesito: seu famoso riscado tornou-se referência e, por ser muito talentoso, ganhou vários admiradores. A dupla esteve presente em quatro campeonatos da azul e rosa: em 1990, 1991, 1992 e 1994, o último pela escola. Jorginho e Nenê encerraram seu ciclo com chave de ouro, colecionando notas máximas e um grande amor pela escola que defenderam.
Emerson Ramires e Adriana Gomes (3 campeonatos)
Emerson e Adriana no Carnaval de 2011. Juntos, a dupla possui 3 campeonatos.
(Foto: Realeza do Samba)
Emerson e Adriana formaram uma parceria duradoura na Mocidade Alegre. Juntos defendendo o pavilhão oficial da verde, vermelho e branco desde 2006, a dupla conquistou três campeonatos: 2007, 2009 e 2012. Emerson é filho de Eneidir Gomes, outro grande nome do quesito e que fez história na própria Morada do Samba e no Vai-Vai. Já Adriana é filha de Maria Gilsa, também referência na arte e que escreveu seu nome na Rosas de Ouro. Antes de iniciarem a parceria vitoriosa pela escola do Limão, Adriana já era primeira porta-bandeira da Morada, porém seu mestre-sala era o Rubens. Com ele, a dama conquistou o título de 2004. A parceria de Emerson e Adriana encerrou após uma fatalidade envolvendo a dançarina no ano de 2012, quando o elevador que estava despencou. Adriana precisou se afastar do Carnaval para se recuperar e, com isso, Emerson começou a dançar com Karina Zamparolli. Juntos, eles conquistaram mais dois campeonatos, em 2013 e 2014, fazendo com que, em toda sua carreira como mestre-sala oficial, Emerson somasse 5 títulos. Já Adriana, após sua completa recuperação, assumiu um novo desafio, agora pela Mancha Verde. Na verde e branca, a porta-bandeira conquistou dois títulos, sendo em 2016 pelo Grupo de Acesso e em 2019 pelo Especial. Em sua carreira vitoriosa como primeira porta-bandeira, Adriana possui 6 títulos.
Pingo e Paulinha (4 campeonatos)
Pingo e Paulinha no Carnaval de 2018 pela Saracura. A dupla possui 4 campeonatos.
(Foto: Armando Bruck)
Novamente temos mais um casal da Escola do Povo em nossa lista. Pingo e Paulinha possuem uma das parcerias mais longínquas em atuação do Carnaval de São Paulo. A porta-bandeira é bisneta de um dos fundadores do Vai-Vai, Frederico Penteado, e começou a desfilar pela alvinegra em 1986 ainda pela ala das crianças. Pingo chegou em 2001, desempenhando a função de terceiro mestre-sala. Receberam a difícil missão de substituir Renatinho e Fabíola, um casal vitorioso e que colecionou notas máximas. Mesmo com a grande responsabilidade que possuíam, a dupla tirou de letra e iniciou a parceria que permanece até hoje. O estilo de dança dos dois deu muito certo, já que Paulinha possui giros fortes e Pingo um riscado rápido e cortejo elegante. Juntos, conquistaram quatro campeonatos pela escola do Bexiga: 2008, 2011 e 2015 pelo Grupo Especial e 2020 pelo Acesso, sendo 16 anos de parceria e 16 anos de muito amor e lealdade ao pavilhão que defendem.
“Bem mais que preto, verde e branco ou colorido eu vejo o mundo no estandarte de um cordão. Saudade se traduz em poesia, num lindo pavilhão a tremular, és a bandeira do samba, manto sagrado... a ti vou me curvar.”
Chegamos ao fim a mais uma temporada da série Giro Ancestral. Em todas segunda-feiras de novembro, mergulhamos no universo de mestre-sala e porta-bandeira e conhecemos mais um pouco sobre essa importante e essencial arte para o Carnaval. Um quesito que merece ser cada vez mais valorizado e reconhecido por todos. O casal possui a difícil missão de carregar o manto sagrado de uma escola de samba, de defender e proteger um “pedaço de pano” que representa uma comunidade, que representa centenas de torcedores espalhados por todo o canto do país. Eles, que emanam ancestralidade por onde passam, levam uma enorme responsabilidade em suas mãos. Que continuemos vendo as porta-bandeiras com seus giros horário e anti-horário mantendo seu pavilhão desfraldado a uma altura que possa ser admirado por todos, que continuemos vendo os mestre-salas cortejando e protegendo suas damas com muita elegância, que continuemos vendo essas duplas com um sorriso cativante no rosto e que possamos continuar vendo essa nobre arte ser perpetuada por gerações e gerações.