100 anos de Dona Dodô - porta-bandeira e baluarte da Portela

by - janeiro 27, 2020

Por Leonardo Antan e Beatriz Freire



Apesar de portelense, Maria das Dores Alves Rodrigues viveu toda a vida bem longe de Oswaldo Cruz e Madureira. Nascida em Barra Mansa, mudou-se para o Rio aos 3 anos, onde viveu no Morro da Previdência. A casa de Dodô é um ponto turístico famoso da primeira favela do Brasil.



Já aos 14 anos, começou a trabalhar como empacadora em uma fábrica. Com as amigas de trabalho começou a demonstrar seu talento como porta-bandeira durante o horário de almoço, quando deu seus primeiros passos treinando com uma vassoura e pano de chão. No trabalho, Dodô conheceu Dora, moradora do bairro de Oswaldo Cruz, rainha da Portela (à época, ainda Vai Como Pode), cargo conquistado através do livro de ouro. No intervalo do trabalho, Dodô, Dora e as outras amigas dançavam e cantavam sambas e músicas de carnaval. Indicada por Dora, a jovem estreou no cargo em 1935, com apenas 15 anos, em um lugar tradicionalmente ocupado por mulheres mais velhas. Paulo da Portela pediu que o mestre-sala Antônio a avaliasse.



Apesar da pouca idade, Dodô se destacou logo de cara pela elegância e graça. Ainda falando sobre Paulo da Portela, se o “professor” é o grande patriarca da escola azul e branco e simboliza toda a tradição e elegância da águia de Madureira e Oswaldo Cruz, Dona Dodô é a representante feminina e matriarca da identidade da agremiação. O casamento entre a porta-bandeira e a azul e branco foi um dos mais longos da folia. Nos mais de 20 anos que atuou na agremiação como primeira porta-bandeira, Dodô foi 11 vezes campeã, símbolo da relação mais vitoriosa entre a defensora de um pavilhão e sua escola. Dona de um perfil forte, ela não deixava que ninguém fizesse suas fantasias. Ela mesma bordava suas roupas, fazendo os vestidos a seu gosto: formais, sem decotes, com o luxo devido à função.

Mesmo depois que Vilma Nascimento assumiu o posto de primeira porta-bandeira em 1956, Dodô seguiu como segunda e terceira defensora do pavilhão por mais dez anos, até 1966. Selou a marca de mais de trinta anos de atuação no mesmo cargo em uma escola, um recorde absoluto. Já fora do posto, Dodô seguiu atuando na Majestade do Samba. Um outro marco atribuído a ela é a criação da Ala das Damas, símbolo da elegância e pompa portelense, que já faturou o Estandarte de Ouro de melhor ala em 1991 e em 2014.



Por falar na principal premiação da folia, Dodô é uma das raras personalidades do Carnaval a ostentar dois prêmios em categorias especiais do Estandarte de Ouro. O primeiro em 1986, como Destaque Feminino, e o segundo em 2004, como Personalidade. O prêmio de 2004 não foi à toa. Na reedição do clássico “Lendas e Mistérios da Amazonas”, a Portela escolheu ninguém menos que Dodô para atuar à frente dos ritmistas da Tabajara. A baluarte reinou soberana aos 84 anos como Madrinha de Bateria da azul e branco. Outra bonita homenagem da Portela aconteceu em 2000, no carnaval que marcou os 500 anos do Brasil. A eterna porta-bandeira voltou a desfilar ostentando o pavilhão azul e branco em uma bela homenagem. Na ocasião, Rute e Marcelinho compunham o primeiro casal da escola.



Dona de uma elegância ímpar, seguiu orientando as portas-bandeiras que passavam pela azul e branco de Madureira. Dodô era firme quanto ao uso obrigatório de anáguas, e não shorts, por debaixo das saias das porta-bandeiras que a sucederam na Portela. Lucinha Nobre lembra que o primeiro gesto feito por tia Dodô foi levantar sua saia para conferir a anágua quando assumiu o cargo na Portela, em 2010. Dodô também não tinha costume de frequentar as feijoadas da escola, mas fez questão de ir à apresentação de Lucinha e anunciá-la no microfone. Desde 2018, Lucinha desfila com a ponteira de Dodô, encontrada na quadra e restaurada. A relíquia ganhou um banho de ouro.


Dodô faleceu dias depois de alcançar 95 anos. Em 2015, primeiro carnaval da história da Portela sem ela, Dodô foi homenageada pela porta-bandeira Danielle Nascimento. Seu rosto apareceu no telão da comissão de frente coreografada por Ghislane Cavalcanti. Católica fervorosa, era Dodô quem cuidava das cerimônias religiosas na quadra da agremiação. Após sua morte, um antigo desejo foi realizado em sua homenagem: uma capela com os padroeiros da agremiação, Nossa Senhora da Conceição e São Sebastião, inaugurada em 2015.



Se a função de porta-bandeira tem toda a sua etiqueta e elegância, Dona Dodô foi uma das percussoras deste legado. Afinal, carregar o pavilhão de uma escola é uma responsabilidade única. Elegância, etiqueta, pompa, suavidade sem perder a força. Dona Dodô foi não só uma das maiores porta-bandeiras do carnaval, mas seguiu numa atuação como baluarte fundamental da Portela. É figura feminina ímpar da história da folia nacional.

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  2. Sobre a ponteira usada pela nossa querida porta-babdeuea Lucinha Nobre, trata-se de um item entre diversos outros que compõem o acervo que o Departamento Cultural da Portela resgatou de sua casa, no Morro da Providência, antes que se perdesse. A ponteira foi doada à nossa primeira PB como reconhecimento de sua devoção e respeito â eterna Dona Dodô.

    Saudações,

    Rogério Rodrigues
    DuretDi do Departamento Cultural do GRES Portela

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