SINOPSE | Grande Rio 2021: "Fala, Majeté! Sete Chaves de Exu"

by - novembro 09, 2020




 

Quem sou eu... Quem sou eu?

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-Câmbio, Exu! Fala, Majeté!

Exu, princípio de tudo: gira, faísca, espiral, movimento, corpo-redemoinho, Okotô!, desterro, fervura, espanto, espuma, axé da Terceira Cabaça, Igbá Ketá. Que abre, então, os caminhos: L’Onan, Legba, Eleguá, Bará, Elegbara, Mavambo - pé na porta, pedrada, com sete chaves nas mãos, o nó das encruzilhadas, tranca, carranca, Calunga Grande, porteiras, ponteiras, diásporas, às travessias na barca, correntes os olhos e as águas. Salve Aluvaiá, Salve Bombogira! “O que se há de?”– mar de dendê! O que será?

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Exu que se fez caboclo, poeira, na cruza, em brasa, chão de terreiro, fora da casa - o mundo inteiro nos pés de andarilhos peregrinantes. Os chifres, os dentes, os búzios, as garras: batalhas! Ali, tanto sacrifício: argila vermelha na praia. Rasgos, penhascos, altares, o orí, a voz de Palmares: os gritos, os mitos, os guizos, a cabeça de Zumbi, “mortal eterno”, “ente coletivo” ao soldo mais verde encanto (porque Zumbi-Exu está em tudo quanto é canto). Agbá! – espraiou-se o culto, firmeza e toque. Sigamos!

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Exu de proezas tantas, pelejas, orikis, Ifá, adivinhação, histórias fragmentadas nas entrelinhas de odús - o destino do rei de Oió e o trono do Engenho Velho. Odusô, o guardião. Erro que vira acerto, certo que brota errado, do outro lado, enigma, tempero, vuco-vuco, o remédio e o veneno. Tendas, feiras, farofas, recados, as lendas da criação debulhadas nos mercados, o corpo que voa fechado e a visão de cada um: ninguém pode viver sem mim. Preceitos, pressentimentos, trotes, fabulações. Trocas, trocadilhos, línguas desgovernadas. Ciscos, lâminas, lágrimas – Olobé, Elebó, cachimbos, caixotes, cachaça. Truques de linguagem: traquinagens. Osijê, Obá Babá! Oferendas d’Eleru. Pimentas!

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“Salve o Sol, salve a estrela, salve a Lua!” Saravá, Seu Tranca Rua! Exu que são muitos em um: corpo em si desdobrável. Fala, falo e falácia: falanges. Alafia! Centenas de sobrenomes que vem de muitos lugares – Rio que leva as gentes, ruas que tudo dragam. Exu, malandro Pelintra, Padilha, fio de Navalha, ponta de agulha, os cacos da noite, as sombras da Lapa, Marias, ciganos, cigarras, jogo e cartas na mesa, rendas, vidrilhos, rasteiras, meio-fio das quebradas, rabos de galo e de saia, também os rabos de arraia, o cheiro bom da cerveja, destreza, sem falar nas gargalhadas. O primeiro gole é dele! Exu, Veludo encarnado, luz de abajur, sonhos bordados – sentimentalmente, visivelmente.

“Exu Caveira, Capa Preta, Sete Catacumbas estavam por ali; Fui convidado pra uma festa nobre; na casa de Exu Tiriri...”

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Exu, potência e gingado, ponto riscado na carne, palco das festas da gente. Brinca o Carnaval em transe, desafia, des(con)fia, desconcerta, bate a bola no asfalto, pisa no sapatinho, samba despudorado, dança inflado de vida, palhaço, e trança a crina do cavalo. Deus de chinelo rasgado, boca beijada, copo na mão, Seu Sete da Lira, bloco lotado, a máscara, Odara!, o baque, o buraco, o cru, o afoxé, o maracatu, o surdo de terceira, a fuzarca dos velhos cordões, o som que vem das favelas, capaz de transver o mundo. Exu, pedra que pulsa, valsa convulsa, mangue que benze, curva, couro, esquina, jorro, ouro e lata no Bal Masqué: não é um robô sanguíneo, não! É santo – mas nem tanto.

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Exu de tinta e de sangue: é dose, tudo come, tudo sabe, tudo viu. De curto pavio! Lamento de poetinhas – porque tudo é perigoso, divino-maravilhoso. Desnuda as frases no muro, sagrado e profano, mundano, pós-contemporâneo, língua ferina, flauta e cajado, casa de bamba, Basquiat no batuque, as letras amadas, a macumba dos modernistas, o piá-Macunaíma, os perfumes rosianos, na saga do Ser-Tão, “Exu nas escolas”, voz estelar, quebrando tabus e “costumes frágeis” - vocês não aprendem na escola. Vocês copiam! Criemos! Novas pedagogias, para os tempos que virão. Verão! Antropofagias, Enugbarijó. “Através das travessuras de Exu / Apesar da travessia ruim...”

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Exu que não é o diabo do teatro colonial, projeto de corpos mortos (culpas, medos, grilhões, carcaças, escravos disfarçados de libertos) - mas força que une os opostos, jongo de ser e não ser. Exu, to be e Tupi! Fome, cada vez mais fome! Insone. Os nervos são fios elétricos. Evoca os profetas do caos, as vozes do lixo, a desconstrução, o avesso do manto, um sem quanto, a costura dos trapos, as aparições, remendos-retalhos, o eterno retorno, a fortuna, os farrapos, o espanto e a possível, por que não?, recriação: Olímpia, Stela, Jardelina, Arthur Bispo do Rosário, Estamira no lixão de Gramacho, às margens da alegria, cantarolando aos vapores, saudando os cometas e o fogo, ao som milenar das estrelas, Yangi, pedras de laterita, bailando, da pá virada, Molambo, Mulamba, ruínas:

“Todo lugar tem uma rainha, lá no lixo também tem...”

Exu, a sacerdotisa:

-Câmbio, Exu! Fala, Majeté, fala! Os além dos além é um transbordo. Tem o eterno, tem o infinito, tem o além dos além. O além dos além vocês ainda não viram. Se eu sou à beira do mundo! Entendeu agora? Quer me desafiar? Você quer saber? Cada pessoa é um astro! Câmbio, Exu! Fala, Majeté, fala!

Falemos! Dancemos! Bebamos! Vivamos! Destranquemos os olhos! Sigamos por outros caminhos! Cantemos até o fim – que não deixa de ser um começo. Ouçamos os atabaques - atentos, plenos, fortes!

Exu, a ancestralidade. Exu, desenredo proposto. Exu, a aposta mais alta. Exu, o padê arriado. Exu, passada ligeira: Exu, Laroiê, Mojubá!

- Câmbio, Exu!

Fala, Grande Rio!

 

Transbordado com expressões e falas retiradas do documentário “Estamira”, de Marcos Prado, além de fragmentos de poemas, canções e pontos de macumba. Inspirado nas provocações de Conceição Evaristo, Helena Theodoro, Alberto Mussa, Luiz Antonio Simas (“Exu é uma escola de samba!”) e Luiz Rufino; e nas narrativas orais de Luiza Maria e Dib Haddad. Dedicado aos inúmeros torcedores apaixonados que nos ajudaram a tecer este manifesto, fonte de afeto, convite para o diálogo. Axé! Carnavalescos – Gabriel Haddad e Leonardo Bora Pesquisa, costura e texto – Gabriel Haddad, Leonardo Bora e Vinícius Natal. Colaboração de Thiago Hoshino e Luise Campos.

 

GLOSSÁRIO

Igbá Ketá, L’Onan, Bará, Elegbara, Okotô, Agbá, Odusô, Olobé, Elebó, Osijê, Obá Babá, Eleru, Alafia, Odara, Enugbarijó, Yangi: segundo Luiz Antonio Simas, são os títulos que representam os maiores atributos de Exu, diluídos no sumo do enredo, guardados a sete chaves.

 

REFERÊNCIAS

Livros, artigos e sítios da Internet:

AMADO, Jorge. Dona Flor e seus dois maridos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

ANDERSON, Robert. O Mito de Zumbi. Implicações culturais para o Brasil e para a diáspora africana. Revista Afro-Ásia, n. 17, 1996 – Salvador. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/20859

ANDRADE, Mário de. Macunaíma.O herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Garnier, 2004. CARYBÉ, Hector; VERGER, Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos Orixás. Salvador: Fundação Pierre Verger, 2019.

CUNHA, Maria Clementina Pereira (org.). Carnavais e outras f(r)estas. Campinas: Editora Unicamp, 2005.

FERNANDES, Alexandre de Oliveira. Exu: sagrado e profano. ODEERE, v. 2, n. 3, jul. 2017. Disponível em: http://periodicos2.uesb.br/index.php/odeere/article/view/1573

FUX, Jacques; SANTOS, Darlan. Estamira e Lixo Extraordinário. A arte na terra desolada. Revista Ipotesi – Universidade Federal de Juiz de Fora, 2011. Disponível em: http://www.ufjf.br/revistaipotesi/files/2011/05/14-Estamira-e-Lixo-Extraordin%C3%A1rioIpotesi-1521.pdf

LOPES, Nei. Mandingas da Mulata Velha na Cidade Nova. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009. MENDONÇA, Luciara Leite de; RAMALHO, Christina Bielinski. “Zumbi-Exu”e outras questões identitárias em “A Cabeça de Zumbi”. ODEERE, v. 2, n. 3, jul. 2017. Disponível em:

RIO, João do. As Religiões do Rio. Rio de Janeiro: José Olympio, 2015.

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G.R.E.S. ACADÊMICOS DO GRANDE RIO


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