7x1 Carnavalize: nada se cria, tudo se recicla: esculturas reutilizadas na avenida
Texto: Felipe Tinoco
Revisão: Luise Campos
7X1! A gente sabe que isso pode não trazer boas lembranças aos brasileiros. Será que foi depois desse jogo que tudo deu ruim? Desacoplou o abre-alas do Brasil rumo aos precipícios contemporâneos? Talvez!
Mas a gente ainda aposta no #conteúdo e no #humor pra fazer listinhas temáticas bem a cara do Carnavalize. O 7x1 trará goleadas; 7 vezes que algo ocorreu dentro das passarelas do samba – sempre às quartas!
Como o CD dos sambas-enredo do Grupo Especial de 2014 ensinou: se tá em moda falar em ecologia... Se precisamos defender a Mãe Terra... A reciclagem é produto essencial do carnaval, principalmente diante das crises financeiras e da ausência de parceria do poder público! Na reestreia do 7x1, vamos exaltar a responsabilidade ambiental (às vezes, a pura falta de grana, não omitamos!) com o reúso de esculturas que passaram pela Sapucaí! O 7X1 tá no ar!
1- Salgueiro 2010 e Renascer de Jacarepaguá 2011
Em 2010, após o título de Tambor, a Academia do Samba cantou “Histórias sem fim”, um enredo sobre a literatura, assinado pelo carnavalesco Renato Lage em parceria com o departamento cultural da agremiação. O desfile não foi tão festejado e empolgante como o título do ano precedente, mas gerou bons momentos visuais para o público. Um deles era justamente o terceiro carro, que trouxe um olhar estilizado sobre o livro O Guarani, de José de Alencar.
“O Brasil mestiço”, terceiro carro do Salgueiro de 2010. Foto: Ricardo Almeida. |
A escultura principal do carro, esse rosto indígena com um belo cocar, logo no ano seguinte, foi visivelmente aproveitada pelo carnavalesco Edson Pereira – quem contou com a ajuda de Paulo Barros (sim, isso aconteceu!) no desenvolvimento do tema. Na Renascer de Jacarepaguá, o enredo “Águas de março” trazia a lenda de Amantikir no abre-alas. Era das lágrimas da índia apaixonada pelo sol que se originavam fontes, cachoeiras e cascatas comentadas ao longo do desfile. A Rena garantiu o campeonato daquele ano para fazer o Romero Britto (quebrou) em 2012, na sua estreia no Grupo Especial.
“Lendas indígenas da tribo Tupi”, o abre-alas da Renascer de Jacarepaguá de 2011. Foto: Ricardo Almeida. |
2- Mocidade Independente 2014 e Unidos de Padre Miguel 2015
Em um complicado ano para sua história, a Mocidade se via a um mês do carnaval com alegorias com pouco avanços e um barracão muito atrasado. Após o desfile sobre o Rock In Rio, a escola abriria a segunda-feira de carnaval com Pernambucópolis, uma homenagem ao estado no qual Fernando Pinto nasceu. Com a mudança da diretoria e o retorno da família Andrade para a escola, Paulo Menezes conseguiu correr com seu projeto e colocar um bonito carnaval na rua. Na traseira do terceiro carro, uma belíssima escultura em referência à Pietá, famosa obra de Michelangelo, adaptada como Maria Bonita e Lampião.
A construção da obra e seu resultado final. Foto do desfile: SeLuSaVa. |
Ali nas redondezas da Mocidade, sua coirmã Unidos de Padre Miguel fez muito bom proveito da belíssima escultura e a aproveitou pro ano seguinte! Ao exaltar Ariano Suassuna e cantar cavaleiro armorial, a obra teve sua releitura novamente nas mãos de Edson Pereira. Diante de uma igreja, surge a referência a Pietá mandacarizada! Ficou bonito, né?
“Só sei que é assim: seu reino é imortal” encerra o belo desfile da UPM de 2015. Foto: Luís Alvarenga/Agência O Globo. |
3- Caprichosos de Pilares 2015 e Alegria da Zona Sul 2017
No festejado “Na minha mão é mais barato”, Leandro Vieira fez sua estreia como carnavalesco com uma apresentação bem-humorada sobre os mercados livres. Após mostras as negociações entre índios e portugueses pelas gravuras de Debret no período colonial e versar sobre o Rio Antigo, o carnavalesco fez uma crítica ao troca-troca desenfreado de profissionais das escolas de samba no seu último setor. A alegoria que encerrava o cortejo trazia em sua frente uma cabeça relembrando uma colombina.
Visão de “Tem promoção na folia”, o último carro da Caprichosos de 2015, com grande banca dos profissionais do carnaval. Foto: Reprodução/Facebook Leandro Vieira. |
Dois anos depois, também utilizada como signo para recordar aspectos foliões, a escultura foi reutilizada: na Alegria da Zona Sul! À época, a agremiação fez uma justíssima homenagem para a eterna Madrinha do Samba, nossa inesquecível Beth Carvalho. O carnaval assinado por Marco Antônio Falleiros fez a colombina esquecer a dor, entrar na roda e aparecer de novo de forma bonita na Série A! Encontrada no lixo pelos profissionais da escola, foi muito bem aproveitada.
O abre-alas da Zona Sul em 2017, “O samba é a nossa Alegria”. Foto: Rodrigo Gorosito/G1. |
4- Salgueiro 2016 e Alegria da Zona Sul 2019
Malandro, batuqueiro! No desfile de 2016, a grande Ópera dos Malandros do Salgueiro veio à tona na Sapucaí com o festejado samba da Academia. O enredo se inspirava na obra de Chico Buarque para falar sobre esse grande personagem da cultura brasileira em suas diversas facetas. No último carro, o culto ao malandro da Umbanda era destaque, com a entidade representada entre atabaques, sob a pomba branca.
“Meu santo é forte!” encerra o desfile do Salgueiro de 2016. Foto: Agência Brasil. |
Não sem pertinência, três anos depois a escultura central do malandro do Salgueiro deu pinta em outra vermelha e branca: a Alegria da Zona Sul. Em 2019, a escola fez um passeio sobre a Umbanda e seus aspectos de religiosidade e fé, sob a batuta de Marco Antônio Falleiros. No tripé “Povo da rua”, em referência à figura do malandro e a Exu, a escultura retornou à Sapucaí!
O retorno do malandro salgueiro na Alegria em 2019. Foto: Jornal O Quatro. |
5- Unidos da Tijuca 2016 e Inocentes de Belford Roxo 2017
Sorriso! O dono da terra! Em uma referência à obra do incrível Oswaldo Jardim, o abre-alas da Tijuca no enredo patrocinado pelo agronegócio evocava o surgimento do mundo sob o barro, conforme apresentado pela tradição iorubá. Para isso, vários bonecões na cor de terra saíram de dentro do abre-alas, indicando a criação do mundo. Mauro Quintaes, Annik Salmon, Hélcio Paim e Marcus Paulo formavam a comissão de carnaval da escola, que ainda contou com desenhos de Jorge Silveira.
A traseira do “Homem Fruto da Terra”, abre-alas tijucano. Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress. |
No ano seguinte, com assinatura de Wagner Gonçalves, as esculturas voltaram para a Marquês de Sapucaí pela Inocentes de Belford Roxo! No enredo sobre vilões, o abre-alas representava uma enorme barca inspirada na Divina Comédia de Dante, iniciando o tema. As esculturas da Tijuca foram modificadas e usadas na tricolor, deixando o barro de lado. Ainda no ano seguinte, em 2018, quando a tricolor da Baixada versou sobre a cidade de Magé, as peças escultóricas voltaram a passar na Sapucaí mais uma vez. Já passaram pela Avenida mais que muito folião por aí!
“Como o diabo gosta”, o abre-alas da Inocentes de 2017. Foto: Fernando Grilli. |
6- Paraíso do Tuiuti 2018 e Unidos da Ponte 2019
“Onde mora a senhora liberdade não tem ferro, nem feitor”! Foi isso que o preto velho contou na letra do samba histórico do Paraíso do Tuiuti no maior desfile de sua trajetória. No enredo de Jack Vasconcelos, a história da escravidão foi recordada desde seus primórdios até os contemporâneos cativeiros sociais e as politicagens neoliberalistas que evidenciam perdas de direitos do trabalhador. O vice-campeonato da agremiação foi recheado de imagens fortes em comissão de frente, alas e alegorias. No centro do quarto carro, a figura do Preto Velho evocava o misticismo ancião.
”Ouro negro” é um dos carros do monumental desfile do Tuiuti. Foto: Antônio Pivanti. |
Previsivelmente, no ano seguinte, a escultura foi aproveitada por uma agremiação da Série A: a Unidos da Ponte! Na reedição de seu samba de 1984, Oferendas, a azul e branca abriu os cortejos carnavalescos da Sapucaí em 2019, pelas mãos de Guilherme Diniz e Rodrigo Marques. Para pisar forte no terreiro, é evidente que a figura do preto velho não poderia ficar de fora diante de sua forte simbologia às macumbas! E ele desfilou nessa reciclagem marota!
A visão da cabeça do desfile da Ponte de 2019, com a escultura ao centro! Foto: Riotur. |
7- Mocidade Independente 2018, Sossego 2019 e Sossego 2020
Inshalá! Após o campeonato sobre Marrocos conquistado no dilema jurídico, a Estrela-Guia de Padre Miguel completou a díade estrangeira no enredo sobre a Índia. O último carro da apresentação de sexto lugar trouxe o Templo do Lótus para exaltar a compaixão e a fé. Formando os cruzos entre o Brasil e o país exaltado e relembrando a mensagem de olhar ao próximo, Madre Teresa de Calcutá veio em grande escultura, além do impagavelmente tenso Márcio Garcia (ator em “Caminho das Índias”, novela de sucesso da Globo) segurando no Santo Antônio, estrutura de apoio aos destaques.
“Triunfo do bem e da fé” encerrou o carnaval da Mocidade, com Márcio Garcia e Madre Teresa. Foto: Pedro Teixeira/Agência O Globo. |
Só de vê-la na avenida já dava pra sacar que seria reutilizada, né? E assim foi durante não apenas um, como por dois anos seguidos na mesma escola! Em 2019, sua versão estilizada relembrou as culturas mexicanas de falecimento, como a Santa Morte. O desenvolvimento do enredo sobre a fé foi do carnavalesco Leandro Valente. Em 2020, a Sossego também trouxe a mesma escultura repaginada – dessa vez, sob os comandos de Rodrigo Marques e Guilherme Diniz, no desfile sobre os tambores de Olokum.
O reaproveitamento da escultura de Madre Teresa nos dois anos de Sossego. Fotos: Site Carnavalesco. |
E aí, quais outras reciclagens ficaram fora da lista? Alguma dessas esculturas passaram mais de uma vez? Não faltam casos semelhantes pra gente contar e tem parte de alegoria que já sabe o caminho decorado dos barracões até a Sapucaí! Semana que vem o 7x1 volta com mais lista!