#QUILOMBO: a bantu-oralidade do samba

by - julho 03, 2020

Ilustração de Osmar Filho, arte de Vítor Melo (Carnavalize).
Estreia! O Carnavalize convidou um coletivo que ressalta pautas e bandeiras fundamentais na mídia independente do carnaval. Trazendo o olhar da negritude e empretecendo o pensamento, o Quilombo do Samba é um grupo de pesquisas e estudos sobre o protagonismo negro nas escolas de samba. Se a missão é essa, o Carnavalize será mais uma ferramenta para que o Quilombo atravesse encruzilhadas e se propague por todos os públicos possíveis! Simbora, então, ler e aprender mais sobre temas tão basilares e vitais para a nossa sociedade e para a história das agremiações? #Quilombo!

Por Guilherme Niegro

Diferente de muitas referências que existem sobre os povos africanos que vieram para o Brasil, a nossa história não começa no embarque de africanos escravizados nos navios negreiros para serem espalhados pelos continentes dominados pelos europeus. 

Nós africanos e africanas em diáspora temos uma história ancestral, com ligações que só as cosmogonias africanas conseguem explicar. O samba é uma dessas cosmogonias que se explicam a partir de sua vivência e de sua reexistência do lado de cá do Atlântico.


Sagrada Oralidade I, de Osmar Filho.
Os povos Bantus são formados por diversos grupos/povos/famílias etnolinguísticas da África central, centro-ocidental, austral e parte da África oriental. A palavra "bantu", que os designa como povos, quer dizer “pessoas" no plural; enquanto Muntu é a “pessoa no singular". Para esses povos, somos seres constituídos de corpo, mente, cultura e principalmente pela PALAVRA. A palavra é o fio condutor da nossa própria história, o próprio conhecimento, a própria existência:

“As cosmologias negras às quais podemos recorrer, dentro das nossas reflexões e da densidade da nossa carne, são, simultaneamente, emanações ancestrais, instantes no presente e devir. Não se trata daquilo que não podemos manifestar  e realizar, mas, ao contrário, daquilo que, se não incorporamos hoje, no Brasil, e não colocarmos ao lado dos saberes nativos das florestas ameríndias, deixar-nos-á, necessariamente, mergulhar no profundo poço da repetição irrepetida de uma colonização, mais do que antinegra, ontológica.” (Tiganá Santana).

Os Bantus foram os primeiros povos africanos escravizados trazidos forçadamente para o Brasil já nas primeiras décadas do século XV, e é a partir da chegada de Ngolas, Ndongos, Cabindas, Kikongos, Cokwes, Congos, Benguelas entre outros, que esses grupos chamados Bantu trouxeram nações inteiras para a Colônia Portuguesa. Juntas a essas nações, todas as suas estruturas de sociedade, como o Quilombo, aldeamento de escravizados fugitivos que se tornavam livres.Dialogando com a Socióloga negra Beatriz do Nascimento, temos o entendimento que o Quilombo ainda está vivo. “Quilombo pode ser um lugar onde as pessoas vivem mais livremente, é a nossa ligação com a natureza, Quilombo são as Escolas de Samba. Quatro ou Cinco negros e negras reunidos, pensando, refletindo, respirando e resistindo é um Quilombo. Não temos uma Pequena África enquanto território, cada pessoa negra carrega dentro de si uma África ora desperta ora adormecida, porém, todos e todas em diáspora somos África por essência", afirma a ancestral que foi historiadora dos povos negros em diáspora.

O samba, por sua vez, constitui-se sobre o pensamento dos nossos ancestrais, a partir de junções de outros conhecimentos e saberes. Nele está salvaguardada a vivência em memória da comunidade ou dos Quilombos.
A palavra samba vem do povo Bantu. “Observa -se seu léxico da língua Cokwe e tchokwe, do povo kioco do que hoje é Angola, registra-se o verbo Samba, com acepção de Cabriolar, brincar, divertir-se como um cabrito (assim como a Capoeira o Samba imita algumas movimentações dos animais),  no Kikongo, o vocábulo de igual feição designa uma espécie de dança em que um dançarino bate contra o peito do outro. Essas duas formas originam-se da raiz multilinguística Semba – rejeitar, separar, remetendo ao movimento físico produzido na umbigada, que é característica principal dos povos Bantus, na África e trazido para a diáspora" (Nei Lopes).
Comunicação Ancestral, de Osmar Filho.
“Sem matrizes africanas não é possível chegar aos fundamentos, transformar, traduzir o Brasil. Samba é o verbo orar em Kikongo, para o povo kioco samba é cabriolar, brincar, se divertir” (Nei Lopes).

É dessas experiências cantadas em forma de samba-enredo pelos Quilombos contemporâneos, as escolas de samba, de que é feita a comunicação com o nosso povo, dentro de uma grande celebração que se dá a cada desfile. Há nas apresentações uma troca de ondas e radiações no ato da enunciação de certas palavras (com ressonâncias pretéritas dos antepassados e atuais para as diversas circunstâncias). Há uma “energia" que não é proveniente da sonorização das palavras ou dos seus significantes, mas que se refere à existência de cada ser, quando o apito corta o vazio e este vazio passa a ser ocupado pelo “bum bum paticumbum prugurundum”.
 
Sagrada Oralidade II, de Osmar Filho.
Somos, como africanos diaspóricos, seres orais ao passar o nosso conhecimento por meio da roda, da junção e da vida em comunidades. Somos o partido, o jongo, o urbano e o rural. Somos a canção e o enredo do meu samba.

Somos Ancestralidade!!! Somos Quilombo!!! Somos Reexistência!!!

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