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Carnavalizadores de Primeira | Júlio Mattos: um artista verde-e-rosa

by - agosto 26, 2016

por Leonardo Antan



A segunda maior campeã do carnaval, com títulos em todas as décadas de desfile, vencedora do primeiro concurso entre as escolas 1932... Adjetivos e qualidades não faltam para uma das maiores escolas da nossa folia, que disputa o lugar de mais tradicional agremiação com a Portela. Mas além de Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, Dona Zica, Neuma... Houve um artista que fez deu a sua cara a verde-e-rosa e vice-versa. Seu nome é Julinho Mattos, ou Julinho da Mangueira, que assinou carnavais nas décadas de 1960, 70 e 80. Sendo responsável por cinco dos dezoito títulos da Estação Primeira.


Júlio Mattos no barracão da Mangueira na década de 1980 (Foto: Tantos Carnavais\Globo)

Morador de uma favela próxima ao morro dos barrocões de zinco, Júlio foi um artista autodidata com incrível talento artesanal. Nunca frequentou a academia e nem chegou a concluir o antigo ginasial, mas foi louvado pelo Pai de Todos, Fernando Pamplona: “Julinho é um artista puro, simples e ingênuo: sem estrela na testa ou gás néon no chapéu. Artista do povo que não escolhe local nem tempo para trabalhar, que goza e vive o que faz. Tenho inveja dele, gostaria de ser ele.” Outra que também teceu elogios, foi a carnavalesca Maria Augusta que o coloca com uma das bases da estética do carnaval dos anos 60 e 80, responsável pelo o que ela chama de “barroco carioca”.


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O artista do povo chegou na velha Manga em 1963 já causando polêmica ao escolher o enredo “Exaltação à Bahia”, numa época em que temas nordestinos e, principalmente, ligados ao estado mais negro do Brasil eram vistos com desconfiança e considerados azarados. Mas ele quebrou o tabu e conseguiu um segundo lugar, atrás apenas da imortal Xica da Silva do Salgueiro. Paralelo a revolução negra salgueirense, levou pra avenida o enredo afro “Memórias de um preto velho” em 64. Três anos depois, veio o primeiro título com o inesquecível “O mundo encantado de Monteiro Lobato”, que é tido como o primeiro samba-enredo a ter sucesso nacional. No ano seguinte, se sagrou bicampeão com “Samba, festa de um povo”.



Paralelo a verde-e-rosa, Júlio também dava expediente na azul e amarelo do morro vizinho. Em 1954, ajudou a fundar a “Paraíso do Tuiuti”, fruto da fusão entre as escolas “Paraíso das baianas” e “Unidos do Tuiuti”. Assinou carnavais na escola desde a sua fundação até 1990, poucos antes de falecer, um casamento interrompido poucas vezes, como no começo da década de 1980, quando Maria Augusta assinou três desfiles na agremiação.

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Na Estação Primeira teve idas e vindas. A primeira passagem que se iniciou em 1963 só acabou mais de dez anos depois em 1974. Com três títulos (67,68 e 73) e quatro vices (63, 66, 69, 72). Uma segunda de 1977 a 1979 com um vice em 78. E a última e vitoriosa parceria de 1986 a 1989, sendo responsável por mais um bi com os inesquecíveis desfiles sobre Dorival Caymmi e Carlos Drummond de Andrade. Em 88, o vice com sabor de vitória com o inesquecível (e atual) “Cem anos de liberdade, realidade ou ilusão?”, protagonista do eterno e polêmico duelo com a imortal Kizomba da Vila. Por fim, veio o fatídico “Trinca dos Reis”, em 1989, que terminou num desastroso décimo primeiro lugar. Dando fim a um dos mais bem sucedidos casamentos do carnaval.

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Se faz parte da identidade da Mangueira homenagear grandes nomes da música e da cultura brasileira, Júlio foi um dos responsáveis por imprimir tal marcar à escola. Sua estética simples mas ao mesmo tempo bela e sofisticada, trazia a leveza necessária para as componentes “dizerem no pé” e fazerem da atual campeã a mais dionisíaca das escolas. Ficou famoso também por sua capacidade reutilizar e reciclar material de anos anteriores e transforma-los em novas peças. Foi, sem dúvida, um artista completo e dos mais brilhantes que o carnaval já teve. Saiu de cena de maneira discreta na década de 1990, mais especificamente em 94, após sofrer de um câncer.




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