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Carnavalize

 


A Jac Produções lança o projeto "Um carnaval para Maria Quitéria", que desenvolveu um estudo de desfile de escola de samba em homenagem a essa heroína da nossa independência. O processo foi coordenado pelo pesquisador Felipe Tinoco e contou com desenvolvimento de um enredo, com sinopse, e que serviu de inspiração para o samba-enredo, composto por Leandro Thomaz, e gravado no projeto por Milena Wainer. Após isso, reuniões artísticas foram realizadas com os desenhistas, para que discutíssemos os caminhos estéticos do projeto. Dessa forma, eles finalizaram a criação artística-visual do desfile de acordo com as suas assinaturas pessoais e levando em consideração o seu estilo de carnaval dentro da linguagem cultural das escolas de samba. 

O principal produto do trabalho foi o desenvolvimento de um coeso projeto completo de desfile de carnaval cujo enredo denominou-se “Uma Folia Para Maria Quitéria”, com 15 croquis de figurinos para alas, comissão de frente, casal de mestre-sala e porta-bandeira e 4 projetos de alegorias de uma escola de samba. Participaram do projeto os carnavalescos Jorge Silveira, Guilherme Estevão, Ricardo Hessez, Lucas Abelha e Orádia Porciúncula

Além de fomentar o debate sobre um grande personagem da história do Brasil, historicamente subvalorizado de acordo com a sua relevância prática e simbólica. O projeto de desenvolvimento artístico do desfile em homenagem à Maria Quitéria foi separado em diferentes fases de elaboração. A primeira delas foi relacionada à pesquisa da vida da homenageada, considerando sua trajetória pessoal e militar, seus principais feitos na luta pela Independência e sua participação em batalhas memoráveis desse período histórico brasileiro. Além dessa pesquisa biográfica, também foi realizada uma pesquisa artística sobre referências visuais acerca dos signos da independência e do período de atuação de Maria Quitéria e sobre os desfiles de carnaval que já citaram a heroína, como forma de dar suporte aos carnavalescos e desenhistas que participaram da elaboração visual do projeto do desfile.

O pesquisador Nathan Gomes, especialista na história da personagem, auxiliou o processo de pesquisa e realizou uma live com o curador do projeto Leonardo Antan, na qual debateram a importância dessa personagem e seus desdobramentos na comemoração dos 200 anos da nossa independência.

Você pode conferir todo o projeto do desfile on-line no Youtube. 




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Arte de Julianna Lemos

Por Adriano Prexedes

Sejam bem-vindos de novo! Desta vez, nossa aventura sambística nos levará para outro destino: vamos até o Espírito Santo para conhecer a trajetória de uma das mais notórias escolas de samba do estado e relembrar a noite em que ela espalhou um inebriante e inesquecível aroma pelo Sambão do Povo. Falaremos da Mocidade Unida da Glória, também conhecida como MUG, e passaremos por seu desfile de 2006, marcado para sempre na história da folia capixaba.

Assim como muitas agremiações, a origem da alvirrubra está ligada ao futebol. No final da década de 1960, um grupo de amigos passou a se reunir para a famosa resenha após as partidas do Leão da Glória, time de futebol de várzea do bairro homônimo, localizado na cidade de Vila Velha. A batucada começou a tomar outra proporção e culminou na criação de um bloco denominado Calção Vermelho. O fruto da união dos amigos começou desfilando pelas ruas do bairro da Glória e, como o nome bem sugere, os foliões saíam trajando calções vermelhos, sem camisa. A brincadeira foi ganhando novos adeptos e lá pela década de 1970 o percurso dos desfilantes já era maior em relação ao início, indo da Glória à Praia da Costa, uma das mais famosas do Espírito Santo, localizada no centro de Vila Velha.

Tendo em vista o sucesso da batucada, foi em 1979 que diretores do bloco liderados por Ivan Ferreira iniciaram uma nova etapa na história alvirrubra: o bloco começava a dar origem a uma escola de samba. No ano seguinte, a transformação aconteceu, e, em 9 de agosto de 1980, nascia a Associação Recreativa e Cultural Mocidade Unida da Glória. A fundação se deu pela junção de integrantes do Calção Vermelho e do Pantera Cor-de-rosa, outro bloco famoso da região que foi extinto pouco antes. O primeiro desfile da nova entidade ocorreu em 1981, em Vila Velha, ainda como bloco carnavalesco. Naquele ano apresentou “No Reino onde chorar é proibido”, que rendeu o 1º lugar.

Nos dois anos seguintes, “Meu Brasil brasileiro” e “O mundo animal” foram os temas que renderam à agremiação mais dois primeiros lugares. E foi após o ano de 1983 que a MUG fez a travessia para Vitória, literalmente, pois as duas cidades são ligadas por três pontes, sendo a famosa “Segunda Ponte” a via utilizada para o deslocamento da escola. Desfilando na Avenida Princesa Isabel, no centro de Vitória, a MUG apresentou “No Reino onde chorar é proibido” (mesmo tema de seu primeiro desfile). Com uma abordagem lúdica, a escola falou da alegria, de itens e cenas do imaginário infantil e adulto, citando também o mundo dos doces através da grande fábrica de chocolates localizada no município de Vila Velha. O samba-enredo é lembrado até hoje pelo refrão “ÔÔÔÔ, Mocidade Chegou!/ ÔÔÔÔ, nosso Reino é o amor/ ÔÔÔÔ, Mocidade chegou/Quem te viu sambou”. O resultado foi o campeonato do grupo B e o direito de desfilar junto às principais agremiações da capital capixaba. Em sua estreia na primeira divisão (1985), o enredo foi “Raízes da história de uma civilização”, que versava sobre a formação cultural do povo brasileiro. O resultado foi um 9º lugar, que a mandou de volta para o segundo grupo.

Desfile da MUG em 1983, o último antes de migrar para Vitória. Crédito: Acervo ARC Mocidade Unida da Glória

A primeira passagem serviu para a MUG ganhar experiência e se aperfeiçoar. Em 1986, com o enredo “Quem te viu, quem TV”, a vermelha e branca ganhou novamente o grupo B e a partir dali começou a construir uma trajetória de sucessos na folia vitoriense. Um fato curioso é que em alguns sambas mais antigos a agremiação era chamada de Mocidade “Canela-verde”. Mas se as cores oficiais da MUG são o vermelho e o branco, por que ela era chamada assim? Bem, a explicação para isso está na história da sua cidade de origem. Há duas perspectivas para essa história, mas ambas têm um ponto em comum: o fato de que as praias tinham algas em abundância e, por isso, quem pisava naquelas bandas saía com as plantas presas nas canelas. Historicamente, o termo “canela-verde” se tornou um apelido para aqueles que são naturais de Vila Velha, e não poderia ser diferente com a escola de samba.

O ano de 1987 foi muito importante para a folia vitoriense e também para a Mocidade. Naquele ano era inaugurado o complexo Walmor Miranda, chamado também de Sambão do Povo, que, mais tarde, se tornaria o palco definitivo para os desfiles de carnaval. Nessa época, a meta da MUG era se estabelecer de vez entre as principais. Para isso, a escola buscou um tema forte que pudesse gerar um desfile competitivo. E assim foi: a Amazônia foi o tema daquele ano. Em  tom crítico, a alvirrubra chamou atenção para o desmatamento, as queimadas e todas as ameaças que rondam o bioma em questão. Com uma apresentação forte, a entidade conquistou um 3º lugar no Grupo A (atual Grupo Especial). O samba, conduzido pelo histórico intérprete Dudu da MUG, é um dos mais lembrados e celebrados da história da agremiação e trazia versos como “Todo mundo vê, mas ninguém se manifesta/E ficam cicatrizes na floresta”, além do famoso refrão “Auê, Auê ô ô ô ô/A Mocidade vem cantar em seu louvor”.

Desfile da MUG em 1987. Crédito: Acervo ARC Mocidade Unida da Glória

Com “Quem viver, verá! O arauto da liberdade”, terminou em 7º lugar no carnaval de 1988, resultado aquém do esperado. A escola apresentou uma visão apocalíptica do mundo, destacando, por exemplo, as mudanças econômicas do Brasil e a tensão da Guerra Fria. Houve espaço para crítica ao domínio estadunidense e também ao moralismo da sociedade perante a pandemia de AIDS. Em 1989, com “O sonho de Ícaro”, ficou em 6º lugar. No ano seguinte, voltou a figurar entre as primeiras colocadas com “Do sonho à fantasia”, mais um tema lúdico, que rendeu um vice-campeonato. Em 1991, veio o primeiro enredo “afro”. “O encantamento de Soboadan” contava uma lenda que, inicialmente, tem como base a história da junção de dois voduns (entidades do Candomblé-jeje/Fon), mas que envolve entidades do panteão Iorubá, versando sobre o amor de Xangô e Oxum e a origem de Oxumarê. A MUG ficou em 5º lugar naquela ocasião.

Abertura do desfile da MUG em 1991. Crédito: Acervo ARC Mocidade Unida da Glória

A escola se encontrava em franca expansão e num processo de consolidação de seu nome entre as principais do Espírito Santo. Entretanto, para continuar sua trajetória, a entidade teve que enfrentar obstáculos. O primeiro deles foi o incêndio que destruiu seu desfile para 1992 a poucos dias da apresentação do enredo “Divina Luz”. O fato impediu a agremiação de realizar seu cortejo. Além disso, a realização dos desfiles de Vitória foi suspensa após 1992 por problemas políticos e financeiros, tendo sido estabelecida em 1998 sem caráter competitivo. Mas a alvirrubra só retornou em 2002, ano que marcou o retorno do concurso e também a volta da realização dos cortejos no Sambão do Povo.

O enredo “O renascer das cinzas”, de Sury de Souza, dialogava com o momento da agremiação, que, após um incêndio e 10 anos de inatividade, retornava à cena carnavalesca. A comunidade fez jus ao tema e a agremiação renasceu, ficando com o vice-campeonato e reafirmando a potência do povo da Glória. Com o retorno em grande estilo, as expectativas eram altas para o ano seguinte. E, em 2003, a MUG correspondeu a essas expectativas com “De passo a passo, faço os passos de Anchieta”, conquistando seu primeiro título na capital capixaba. O cortejo refez a rota percorrida por José de Anchieta nos seus últimos anos de vida, indo da Vila de Rerigitiba (atual Anchieta) até Vitória, passando por pontos do litoral capixaba. Para tentar o bicampeonato, a vermelha e branca fundiu a temática lúdica e a temática ambiental, levando um alerta sobre a destruição do planeta com um pedido de socorro aos extraterrestres. O bi não veio e a escola ficou com o vice-campeonato. O segundo título foi conquistado em 2005, quando a Mocidade cantou a Grécia e seus deuses.

Barracão da MUG no pré-carnaval de 2002 (acima) e abertura do desfile campeão de 2003 (abaixo). Crédito: Acervo ARC Mocidade Unida da Glória

Agora é a hora! Prepare aquele cafezinho e vamos saborear o carnaval de 2006 da MUG. Naquele ano a alvirrubra apresentou o enredo “Quente como o inferno, puro como um anjo, doce como o amor… Quem vai provar? Quem vai querer? Eu sou o café e o meu banquete é pra você”, de autoria e desenvolvimento do carnavalesco Petterson Alves, cria do carnaval capixaba e um dos personagens fundamentais nesta “segunda fase” da escola. Petterson chegou à agremiação para o ano de 2005 e logo foi campeão. Para 2006, a narrativa do artista propunha mostrar a trajetória do café pelo mundo a partir de sua origem africana, destacando o imaginário criado em torno da bebida e de seu aroma sedutor, que conquistou a todos.

Como já foi falado, a MUG vinha como a então campeã. Pode-se até pensar que a escola teve algum tipo de benefício no período pré-folia por ter sido a vencedora, mas não foi bem assim: naquela época todas as escolas, sem exceção, eram colocadas no sorteio. A escola da Glória terminou numa posição ingrata: a de primeira escola a desfilar no Grupo A (atual Grupo Especial). E foi na noite do sábado, 18 de fevereiro de 2006, por volta das 22h, que a comunidade “muguiana” iniciou sua apresentação e abriu os caminhos para as outras agremiações da elite capixaba. Aqui é importante frisar que as apresentações de Vitória ocorrem, tradicionalmente, na semana anterior ao período momesco regulamentar. 
    
Embalada pelo samba-enredo composto por Leko e Renilson Rodrigues, a comissão de frente iniciava sua apresentação. O grupo era coordenado por Monika Queiroz, ex-atleta e técnica tida como referência na ginástica artística, reconhecida por descobrir novos talentos na modalidade. A performance intitulada “A descoberta: lenda do pastor Kaldi” ilustrava a origem do café, que, segundo a lenda, teria sido descoberto pelo monge no Séc. IX após seguir as cabras das quais ele cuidava, ao perceber que elas desapareciam a noite e voltavam mais inquietas e alegres. O contingente era formado por 14 homens da comunidade e uma ginasta. Os rapazes vinham com um figurino na cor vermelha que visava reproduzir a indumentária do pastor, com estampas animais nas capas e na barra das calças. Já a ginasta vinha vestida de cabra e fazia acrobacias em torno dos rapazes, representando a euforia dos animais que ingeriam o fruto. A atleta também interagia com um pequeno tripé com representações de cabras, de flores e de frutos do cafeeiro.

Componentes da comissão de frente da MUG em 2006 na concentração (acima) e integrante do grupo durante o desfile (abaixo). Crédito: Acervo ARC Mocidade Unida da Glória/Cacá Lima

Na sequência, o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Dalow e Débora, fazia sua evolução. A roupa da dupla era em tons de vermelho, branco e dourado com muitas plumas e adereços que formavam padrões geométricos que remetiam a estampas e máscaras africanas. E aqui vai uma curiosidade: o leão não foi o símbolo oficial da agremiação desde seu início. O pavilhão vermelho e branco trazia o brasão do município de Vila Velha ladeado por um surdo e um pandeiro. A mudança só ocorreu após o carnaval de 2010, quando a identidade visual da entidade foi reformulada e o leão foi adotado como símbolo em referência ao time de várzea que deu origem à escola de samba.

Primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da MUG em 2006. Crédito: Acervo ARC Mocidade Unida da Glória/Cacá Lima

Logo depois do casal estava o abre-alas “Império do café”, que representava justamente a Abssínia (atual Etiópia). A alegoria passou bem iluminada e a grande sacada do carnavalesco foi o posicionamento das composições, que deram mais volume ao carro que era decorado com estampas de zebra, chifres e muitas flores de café. O vermelho da agremiação também estava presente na decoração abaixo dos “queijos” das composições.

“Do coração da África
A plantação fantástica”

Detalhe do carro abre-alas da MUG em 2006. Crédito: Acervo ARC Mocidade Unida da Glória

A abertura dava lugar ao contingente de 3000 componentes, número indicado pela TV Capixaba e informes locais. As alas que sucediam o primeiro carro faziam a transição entre os continentes africano e asiático, a destacar aqui a ala “África Ventre forte”, que precedia elementos alegóricos que representavam dromedários, utilizados para o transporte na África e no Oriente Médio, e marcavam essa primeira “viagem” do café. As esculturas traziam as famosas selas, que continham cestos que vinham cheios de grãos de café de verdade. O segundo carro, chamado “Mesquita islâmica”, trazia reproduções das cúpulas e torres de templos islâmicos em vermelho e dourado e simbolizava a relação desse povo com o café, já que o cultivo e o consumo do fruto começou a se expandir na região da Península Árabe. Após a alegoria, os ritmistas da bateria de mestre Eufrázio vinham vestidos como sheiks árabes.

Seguindo a bateria, estava a ala de passistas da MUG, que abria o setor sobre a Índia e mostrava como o sabor e o aroma do café começou a seduzir e conquistar outras partes do globo. As alas na sequência abordavam o simbolismo do café na cultura islâmica e hindu, além da chegada da bebida a Constantinopla (atual Istambul), culminando no carro 3, “O mercado”. A alegoria era antecedida por dois elementos que representavam elefantes, ainda em referência à Índia. “O mercado” representava o fluxo comercial que ajudou a espalhar o café por outras regiões.

“Girou o mundo a seduzir
A maravilha descoberta por Kaldi”

Visão do carro “O mercado” no desfile da MUG em 2006. Crédito: Reprodução| Tv Capixaba

O quarto setor ia deixando o Oriente e chegava à Europa. Destaque para a ala “O café chega a nobreza” que fazia uma releitura dos foliões venezianos e abria caminhos para o segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira, Diego e Delma. Os dois representavam os Clérigos do Vaticano, que, com a chegada do café por volta do Séc. XVII, rejeitaram e condenaram a bebida por conta de sua relação com o Islamismo. As indumentárias em preto e prata vinham muito bem adereçadas. A resistência não durou muito tempo, e, ao ser conquistado pelo sabor, o Papa Clemente VIII batizou e liberou a iguaria. O setor é fechado pela euforia e efervescência social e cultural promovida pelo café na cidade italiana. O 4º carro, “O café vira arte em Veneza”, era uma representação desse momento e também dos grandes estabelecimentos que surgiram naquela época e existem até hoje, sendo cartões postais da cidade. A coreografia foi a aposta para essa alegoria, que trazia composições performando em suas partes central e lateral.
    
No quinto setor, o café, que já havia envolvido a Ásia e a Europa, partia rumo às Américas. As alas “Os donos da terra” e “Francisco Palheta” abriam o setor e indicavam a chegada do grão ao Brasil, após ser cultivado em países vizinhos, como o Suriname e a Guiana Francesa. Foi por intermédio do jovem Palheta que o café chegou ao nosso país, mais especificamente ao estado do Pará. Rapidamente, o produto se espalhou pelo Brasil, e assim chegamos à ala das baianas, que representavam a semeadura do café. O carnavalesco Petterson Alves é muito lembrado pela ousada coroa no desfile de 2019 da Novo Império. Mas bem antes disso, o artista já ousava em suas criações. E neste desfile de 2006 da MUG as baianas vinham com as saias vazadas, o que chamou bastante atenção à época.

Detalhes da ala das baianas da  MUG em 2006. Crédito: Cacá Lima/Reprodução|Tv Capixaba


“Chegou ao Brasil
Lá da Guiana Francesa
Com Francisco de Mello Palheta
Português desbravador e genial
De lá pra cá, parou no Pará
Beleza, pureza, paixão, paladar”

As baianas davam lugar ao quinto e último carro da escola, que abordava o cultivo do café no Brasil. O carro, que trazia uma chuva de papel picado, era decorado com bambus e adereços em verde e amarelo. Além disso, a alegoria tinha, em sua parte traseira, esculturas de uma pessoa branca, uma pessoa preta e uma indígena segurando um grão de café.

 “Seu ar de sedução
Trazendo imigrantes e a miscigenação”

Detalhe do último carro da MUG em 2006. Crédito: Cacá Lima

O cortejo se encerra com as alas após o quinto carro. Em suma, os componentes representavam a importância do café para o Brasil e para o estado do Espírito Santo, que, atualmente, é o segundo maior produtor do fruto, responsável por cerca de 30% da produção nacional. Uma das alas era coreografada e vinha vestida de lavradores, trazendo, além do chapéu e da peneira, detalhes nas cores da bandeira do estado. Também houve espaço para a industrialização, importante para o progresso da produção cafeeira, em uma das alas.

 “A força da planta enriquece a nação
O Espírito Santo jorra café da veia
A terra mais fértil e sagrada
Da pátria amada mãe gentil
Oh, meu Brasil! É capixaba!”

Forte e saborosa como um bom café: assim foi a apresentação da Mocidade Unida da Glória. A MUG superou o tabu que é abrir os desfiles e conquistou a todos, balançando o Sambão do Povo e deixando um gostinho de “quero mais”. O samba-enredo foi o grande destaque do cortejo e a condução da obra pelo intérprete Ricardinho da MUG e seu time de canto fez toda a diferença. Superando as falhas no sistema de som da passarela e não deixando o samba cair, os cantores fizeram o povo presente cantar e sambar junto à escola do início ao fim.

“Vem, meu amor, vamos provar
A Mocidade é quem vai te levar
Pro cafezal, delírio desse carnaval”

Vale citar também o trabalho do carnavalesco Petterson Alves, que, com muito arrojo e capricho, apresentou um conjunto visual grandioso, tendo em vista as dimensões do carnaval de Vitória daquela época. O resultado foi o vice-campeonato com 198,5 pontos, 7 décimos atrás da campeã, Unidos de Jucutuquara, o que pode ser atribuído a alguns pequenos descompassos na evolução. O título não veio, mas o desfile ficou eternizado na história. O samba-enredo, que já havia caído na boca do povo, cravou de vez sua marca na antologia da folia vitoriense no ano seguinte. Em 2007, foi realizado o FestSamba, que escolheu o melhor samba-enredo de Vitória. Todas as escolas puderam inscrever uma obra, e a campeã foi a MUG com seu icônico samba de 2006. Atualmente, a agremiação possui 8 títulos de campeã da elite capixaba, o último conquistado em 2023.

Apresentação da MUG no FestSamba em 2007. Crédito: Acervo ARC Mocidade Unida da Glória

A trajetória da MUG, desde os tempos do Leão da Glória e do Calção Vermelho, é marcada pela alegria. Esse sentimento faz parte da essência de manifestações culturais como o carnaval e é um dos ingredientes fundamentais da receita muguiana. E é com muita alegria e energia que a alvirrubra leva o orgulho de ser vilavelhense, ou canela-verde, para o palco maior da folia capixaba. São esses sentimentos que fazem as pessoas se apaixonarem pela MUG. É como a história de um certo menino que viu sua cidade representada no Sambão do Povo, se apaixonou pela escola e de lá não saiu mais. Hoje esse menino sonha cada carnaval com a escola, e com suas palavras enreda a magia desses sonhos, que, ao ganharem forma, encantam a passarela capixaba.

Agradecimentos:
Léo Soares – Enredista da ARC Mocidade Unida da Glória
Patrick Rocha – Diretor Administrativo da ARC Mocidade Unida da Glória
Petterson Alves – Carnavalesco da ARC Mocidade Unida da Glória


 

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Arte de Lucas Monteiro

Por Felipe Camargo

Já se tornou algo que os amantes do Carnaval carioca debatem e mencionam todos os anos. Com um misto de esperança, medo e reclamação, vem se tornando uma tradição ritualística, que ocupa as arquibancadas, as concentrações, as redes sociais e a mídia especializada. O assunto? Algo inevitável para o futuro das escolas de samba: a necessidade de mudanças na infraestrutura da nossa amada festa. Dos desfiles do Grupo Especial até as escolas das divisões inferiores, nos mais variados aspectos, reformas e novidades são esperadas.

Faltando pouco mais de uma semana para a entrega da chave da cidade do Rio de Janeiro ao Rei Momo, em 2023, uma forte chuva de verão castigou o balneário da Guanabara. O resultado disso no mundo carnavalesco foi a repetição do desesperador alagamento de barracões das escolas do grupo de acesso (hoje Série Ouro, um dia foi Série A e pode mudar de nome a qualquer hora) e das escolas que desfilariam na "nova Intendente". Trabalho de meses sendo perdido e o choro e desesperança de profissionais se misturando às águas que, tradicionalmente, causam estragos na cidade nem tão maravilhosa assim. E digo que foi repetição mesmo, porque todos os anos o verão chega, as chuvas também e a cidade, construída entre mangues, morros e baía, não suporta o volume de água que desce do céu. Nessa dinâmica caótica tradicional, sofrem sempre as escolas de samba que não contam com a estrutura da Cidade do Samba, abrigando seus trabalhos artísticos para os desfiles em galpões precários ao longo do Centro e da Zona Portuária, no caso da Série Ouro, ou pela Zona Norte, no caso das escolas das séries Prata e Bronze.

Galpão utilizado pela Inocentes de Belford Roxo como barracão para o carnaval 2023. Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

Incêndio na Cidade do Samba em 2011, atingindo os barracões da LIESA, Grande Rio, União da Ilha e Portela. Reprodução: Acervo O Dia

A Cidade do Samba foi inaugurada em 2006 pela prefeitura do Rio, durante a gestão César Maia, de forma a servir como fábrica para o Grupo Especial. Em 2011 um incêndio devastador atingiu os barracões da LIESA e das agremiações Grande Rio, União da Ilha e Portela, deixando clara a necessidade de constante manutenção do espaço e, talvez, sua reformulação. Em 2020, no final de abril, ocorreu um novo incêndio nas instalações, atingindo o barracão da então campeã, Viradouro. Em janeiro de 2021, em meio às incertezas da pandemia, a justiça decretou uma interdição do lugar pelo risco de novos incêndios, apontado por vistorias do Corpo de Bombeiros e pelo Ministério Público, sob a justificativa de não haver um plano de prevenção e controle de incidentes. Apenas em julho daquele ano a fábrica da folia carioca foi reaberta. Ainda assim, a Cidade do Samba virou um marco por passar a fornecer às escolas de samba da divisão de elite condições de trabalho muito melhores para o desenvolvimento dos desfiles. Desde então, a promessa de uma nova Cidade do Samba, voltada ao grupo de acesso, vem sendo mencionada. Ano após ano, com a repetição de incidentes, inundações e a divulgação nas redes sociais da precariedade à qual os profissionais estão sujeitos, a pressão aumenta por sua construção.

Hoje, chegamos em um ponto essencial para a cobrança. A prefeitura do Rio, agora sob o terceiro mandato do portelense Eduardo Paes, promete a construção do novo espaço para muito em breve, mas pouco deixa claro sobre os avanços que se seguiram. As notícias divulgadas por diversos veículos especializados e da imprensa regional dão conta de que desapropriações de terrenos já foram realizadas no bairro de São Cristóvão, que o nome da “Cidade do Samba 2” será Fábrica do Samba e que a obra sairá. Ao que sabemos, a localização será próxima ao Terminal Gentileza, em construção, próximo à Avenida Francisco Bicalho e ao trecho de início da Avenida Brasil. Ainda assim, falta clareza. A prefeitura não divulgou amplamente o projeto arquitetônico (apenas uma vez, em dezembro de 2021, pelas redes sociais do próprio prefeito), não esclarece sobre o terreno, não parece buscar os profissionais do carnaval para debater o que é prioritário no espaço e ainda não apresentou datas concretas que delimitem um cronograma. Quando as escolas do acesso deixarão de estar sujeitas ao acaso e ao precário? Ainda não sabemos.

Na linha dos descasos e necessidades, as escolas da Série Prata, Série Bronze e do grupo de avaliação seguem sem uma definição precisa de onde desfilarão em 2024, além da já mencionada precariedade de seus barracões pelo subúrbio. Até 2022, essas escolas de samba desfilavam na Estrada Intendente Magalhães, nos limites entre Campinho e Madureira, mas para 2023 os desfiles foram redirecionados para metros à frente, na Avenida Ernani Cardoso, já com CEP em Cascadura. Problemas severos de segurança e a reclamação de moradores foram um contraponto à presença de estruturas melhores para a recepção do público (que poderiam, se houvesse disposição, terem sido implementadas ainda na Intendente). A "nova Intendente" não convenceu e o prefeito anunciou ainda em fevereiro que buscaria um novo espaço, possivelmente uma nova passarela do samba, para alocar os desfiles.

Maquete apresentada pela prefeitura do Rio da estrutura da “Nova Intendente”, na Avenida Ernani Cardoso. Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil

Estamos em julho (de 2023) e ainda não há perspectiva de que isso seja resolvido, mas é importante que a realização dos desfiles já esteja conectada à Zona Norte. Ao mesmo tempo, a viabilidade de construir um novo sambódromo (menor, claro, e possivelmente desmontável) passa diretamente pela disponibilidade de uma área de bom acesso, boa segurança e sem maiores transtornos ao espaço urbano ao redor, algo difícil nas atuais condições da cidade. E por que não podemos pensar também em projetar melhores condições para essas escolas produzirem seus carnavais? Se não na elaboração de um espaço físico próprio para barracões menores, pelo menos na subvenção, como uma forma de investir mais intensamente na cultura dos subúrbios da região metropolitana.

E a Sapucaí? Reformada para o carnaval de 2012, em finalização do projeto original de Niemeyer (que muito pouco conhecia dos desfiles das escolas de samba), a passarela do samba da rua Marquês de Sapucaí foi largada ao descaso durante o mandato de Marcelo Crivella na prefeitura do Rio (2017-2021) e a ameaça de interdição por falta de alvará do Corpo de Bombeiros passou a ser constante. Já sob o novo mandato de Paes, a avenida de desfiles chegou a passar por uma reforma importante, com recapeamento, nova iluminação (polêmica!), aumento de caixas de ralo e impermeabilização de parte das arquibancadas. Porém, em janeiro do ano em que estamos, uma interdição foi decretada pela falta de documentação. Mais um carnaval passou e hoje ainda permanece a impressão de que as estruturas do palco do "maior espetáculo da terra" precisam ser repensadas, reprojetadas e reformadas. Problemas de som, dificuldade e falta de segurança nos acessos e a precariedade dos banheiros e outros serviços são constantes da Sapucaí atualmente. Não são poucos os casos de furtos e roubos na área de concentração, na Avenida Presidente Vargas, nas proximidades da Central do Brasil, nos caminhos entre o Balança Mas Não Cai e a Rua Frei Caneca e nos acessos pelo lado dos Correios, como os arredores da estação Praça Onze do metrô. E em caso de chuva, melhor se preparar para o perrengue, porque os acessos alagam e a própria pista de desfiles corre o risco de encher, como ocorreu na sexta-feira de desfiles em 2019.

Sapucaí alagada antes dos desfiles da Série A em 2019. Foto: Marcos Serra Lima / G1

Além de tudo isso, vivemos sob a constante ameaça e realização da elitização do sambódromo. O espaço é cada vez mais pensado para o público de maior poder aquisitivo, que ocupa os luxuosos camarotes, repletos de shows com direito a som vazado para a Avenida de desfiles. Até as frisas vão perdendo espaço para a abertura de mais e mais camarotes, enquanto o preço das arquibancadas para o Grupo Especial segue elevado o suficiente para afastar muitos apaixonados pelo carnaval componentes das classes mais baixas. Enquanto o sambódromo precisa de reformas essenciais de infraestrutura, para receber e acomodar melhor seu público, integrantes da cúpula da LIESA já sugeriram desde mudar os desfiles para a Barra da Tijuca (um escárnio, a princípio deixado de lado) até a ampliação do espaço direcionado a turistas estrangeiros. Existem esforços constantes para valorizar o espetáculo de forma mercadológica, pensando na potencialização de lucros com base no turismo internacional e nas classes mais abastadas. Esses esforços rendem um maior retorno financeiro, mas têm como contrapartida afastar as camadas mais populares da manifestação cultural que, originalmente, pertence a elas. Um processo semelhante ao ocorrido com o Maracanã em seu processo de elitização. Quem é mais pobre não acessa mais e o espetáculo cultural perde parte da essência que o consagrou.

Para amenizar a dose dos preços das arquibancadas, defendo aqui algo citado por muitos nas redes sociais: deve-se estudar a possibilidade do valor dos camarotes ajudar a financiar um barateamento dos ingressos para as arquibancadas. O carnaval hoje é, em boa parte, um jogo de dinheiro, mas só existe como produto porque as camadas populares o construíram e o abraçaram, preenchendo as arquibancadas e fazendo-as tremer de euforia. Sem a resposta do público, a participação da massa nas arquibancadas, veremos cada vez menos desfiles que se transformam em icônicos não só pelo exibido visualmente e pela qualidade musical, mas pela comunicação simbiótica e encantada que conseguem construir com o público na pista. E da avenida se contagia o de casa na TV, que reproduz ao país inteiro, apaixonando novas gerações pelas escolas de samba.

Há uma necessidade constante de mudanças que devem ser executadas com velocidade para impedir que problemas se repitam indefinidamente por mais carnavais. O público e os profissionais anseiam por melhorias nas condições, como a urgência da “Cidade do Samba 2”, a melhoria da infraestrutura da Cidade do Samba do Grupo Especial e o incentivo às escolas que um dia desfilaram na Intendente, além da urgência por definições importantes, como a localização nova desses desfiles. E tudo deve ser cuidadosamente pensado para não afastar o povo das arquibancadas e das escolas de samba. A reforma e reorganização das avenidas de desfile, seja a Sapucaí ou a ex-Intendente, deve ser executada tendo em mente medidas que possam reaproximar o público mais popular. No caso da Sapucaí, a manutenção ocorre mais por pressão do que pelo zelo e, por mais que medidas estejam sendo tomadas, não podemos cair indefinidamente na elitização do desfile das grandes escolas. O senso de preservação da manifestação cultural e da força das comunidades que a constroem deve prevalecer. O profissionalismo, que, por vezes, criticamos por justamente encaminhar uma elitização do samba e deterioração das tradições, deve ser convertido em um ponto de partida para definirmos um padrão elevado de infraestrutura do carnaval e fugir da precariedade que coloca artistas, artesãos e gestores do carnaval em risco, o trabalho das escolas à mercê da sorte e o público refém dos perrengues.

Felipe Camargo é professor de História formado pela UFF.









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Arte de Jéssica Barbosa

Por Adriano Prexedes

Atenção! Vamos embarcar numa viagem carnavalesca pela cidade que nunca para. Relembraremos uma São Paulo que, durante a folia, se vestia de cores vibrantes. De azul e rosa. O ano em questão é 1992, segundo Carnaval no Sambódromo do Anhembi, à época bem diferente do que conhecemos hoje.
 
Foi uma temporada de sambas e apresentações marcantes, incluindo a da campeã, que, com a força de uma locomotiva, desbancou todas as concorrentes, cravando, mais uma vez, seu nome na história da folia paulistana. Mas, antes, vamos falar um pouco da história desta escola e de como o imaginário paulistano permeia sua trajetória. Estamos falando dela: a Sociedade Rosas de Ouro.

A agremiação surge da iniciativa de um grupo de amigos, entre eles os irmãos Ernani e Eduardo Basílio. Todos figuras conhecidas na comunidade da  Brasilândia, Zona Norte de São Paulo, não apenas pelo envolvimento com as demandas do bairro, mas também por animarem as partidas do time de várzea local, o Glorioso da Brasilândia. A batucada ficou famosa e isso os inspirou a fundar uma escola de samba com a ajuda de comerciantes locais.

Eduardo Basílio, fundador e presidente da Rosas de Ouro até 2003. Crédito: Reprodução | Instagram Rosas de Ouro

A “certidão de nascimento” do Rosas é um pouco controversa. Oficialmente, sua fundação data de 18 de outubro de 1971. Mas há relatos de que o grupo fez sua primeira apresentação no ano anterior de forma não oficial, apenas como convidado. Outro dado curioso é que a primeira apresentação oficial da azul e rosa – que à época ainda não tinha tais cores como oficiais – foi em 1971, no Grupo 3 (Atual Acesso 2). A escola desfilou e competiu antes mesmo de sua oficialização e obteve um 9º lugar com o enredo “História de Vila Brasilândia”.

É nos preparativos do desfile de 1972 que o azul passa a integrar oficialmente o pavilhão da agremiação. Ao procurar tecidos cor-de-rosa, a irmã de Luciano Thomaz, um dos fundadores, aproveitou a promoção de tecidos de tom azul turquesa e daí a Roseira passou a incorporar o azul às demais cores. Naquele ano, o enredo foi “Brasil de ontem, Brasil de hoje”, que rendeu um 5º lugar no Grupo 3. Isso porque houve uma falha de comunicação entre a escola e a organização dos desfiles, o que culminou em uma severa penalização. Em 1973, veio o primeiro título de sua história com o enredo “Formação étnica”. A conquista marcava o início de uma trajetória de ascensão e consolidação na cena carnavalesca paulistana.

Em 1974, a comunidade da Brasilândia cantou e contou os traços culturais de diferentes regiões do Brasil e foi mais uma vez campeã. Desta vez, do Grupo 2 (Atual Acesso 1). Com um samba de autoria do célebre compositor Zeca da Casa Verde, a escola conquistou seu lugar na elite do samba paulistano. Na sua estreia no 1º grupo, a escola foi pra rua e levou a mesma consigo. O enredo narrou o cotidiano das ruas da capital paulista, e, assim, o resultado foi um honroso vice-campeonato atrás apenas do Camisa Verde e Branco. A partir daí, a escola trilharia o caminho que a tornou uma das maiores da cidade. Já em 1976 ficou em 3º lugar. Em 1977 e 1978, a Rosas fica em 4º lugar com “O poeta de Miraí”, sobre o compositor Ataulfo Alves, e “Salamanca do Jarau”, que contava uma lenda gaúcha. Ambos os sambas foram compostos por Zeca da Casa Verde e, posteriormente, regravados por Jair Rodrigues.

Componentes da escola no ano de 1975. Crédito: Reprodução | Instagram Rosas de Ouro

Após o carnaval de 1979, no qual ficou em 6º lugar cantando as flores, a escola contou pela primeira vez com um grande nome da folia no comando da parte visual. Ainda em 1979 era inaugurada a atual quadra da agremiação, localizada na Freguesia do Ó. O amplo espaço foi um grande marco em termos de estrutura, pois ali foi estabelecido não apenas o local para ensaios e eventos, como também abrigou o barracão, que funcionou lá até a transferência para a Fábrica do Samba em 2022. A conquista da quadra foi fruto de muito trabalho e organização, palavras de ordem na gestão da azul e rosa, que adotou um modelo de “escola-empresa”, que pudesse gerar seus próprios recursos.

Quadra da Rosas de Ouro na Freguesia do Ó. Crédito: Léo Franco

Para o carnaval de 1980, o grande nome da escola era Viriato Ferreira, o ilustre figurinista e braço direito de Joãosinho Trinta, que assinou o enredo “Tudo é Brasil”, sobre o folclore e as manifestações populares do país. Parte do contingente não conseguiu chegar à Av. Tiradentes para o cortejo. Mas isso não tirou a garra e o ânimo dos integrantes remanescentes, que obtiveram um 4º lugar. Naquele ano, o samba não foi composto e cantado por Zeca da Casa Verde. Em 1981, o enredo “Do caminho do mar à ilha do tesouro” ficou em 5º lugar. Para 1982, contava com o artista que se tornaria uma referência do carnaval paulistano: Augusto de Oliveira, que idealizou o desfile sobre “Ainá, no Reino de Baobá”, com inspiração no conto de Antônio Olinto e Zora Serjan. O resultado foi um 4º lugar.

Até aqui vimos que a Roseira dialogou com a cidade em seus temas em pelo menos duas oportunidades. Mas é a partir de 1983 que essa relação ganha mais força. Naquele ano, a “Nostalgia” de Augusto de Oliveira recordou momentos e cenas da São Paulo mais antiga, antes do veloz crescimento e expansão do município. O desfile e o belo samba-enredo – também de Zeca da Casa Verde – conquistaram o público que apontou a Roseira como uma das favoritas ao título, junto de Nenê, Vai-Vai e Mocidade Alegre como destacado na edição do dia 15/02/1983 da Folha de S. Paulo. E se a voz do povo é a voz de Deus, a sua vontade se fez: a Rosas de Ouro conquistou o seu primeiro título na elite paulistana, com Vai-Vai, Nenê e Mocidade Alegre (também apontadas pelo público) logo atrás na classificação. Naquele 1983, outra relação de longa data se iniciava: o casamento entre Rosas de Ouro e o intérprete Royce do Cavaco dava o primeiro passo.

Matéria da Folha de S. Paulo do dia 18/02/1983 destacando a vitória da Rosas. Crédito: Reprodução | Folha de S. Paulo

Para 1984, o enredo homenageava a Faculdade de Direito da USP, “Lá no Largo São Francisco, bem no centro da cidade”. A história da instituição rendeu à Roseira o bicampeonato e mais um samba marcante. A composição de Ideval Anselmo e Zelão é lembrada até os dias atuais. Aqui podemos destacar a apresentação do samba pelo coral da USP e a bateria de Agravo de Instrumento da São Francisco em 2014, e também o encontro da agremiação com as baterias universitárias no ano de 2019. Após o hiato de um ano, Royce do Cavaco voltava à escola e também assinava o samba-enredo para “Uma boa ideia”, enredo de 1985, que, mais uma vez, cantava cenas de São Paulo. A apresentação contou com a ilustre presença de Clementina de Jesus. O tri não veio e a agremiação foi a 3ª colocada. No ano seguinte, a escola imaginou a metrópole no ano de 2086. Apesar do enredo futurista, houve espaço também para uma passagem nostálgica pelo passado, cantada no samba de Royce do Cavaco e Grupo Balancê (“Mas é estranho ver São Paulo sem garoa/sem aquela vida boa do Século XX”). O desfile ficou em 6º lugar.

Detalhe do desfile campeão de 1984 da Rosas. Crédito: Reprodução | Facebook Rosas de Ouro

“São Paulo, seu povo, sua gente” foi o tema para 1987, que falou da diversidade de povos que formam a população da cidade de São Paulo, projetando um contexto de harmonia entre os diferentes grupos étnicos. A apresentação rendeu um vice-campeonato e um samba-enredo que se destaca não apenas pela letra, mas também pelo arranjo melódico e que se tornou item mandatório nos ensaios de quadra. Em 1988, a Roseira continuaria atrelando seus desfiles à cidade, desta vez com uma homenagem. Paulo Machado de Carvalho, advogado (formado lá no Largo São Francisco), comunicador e chefe da delegação brasileira de futebol nos Mundiais de 1958 e 1962, foi o enredo daquele ano e deu um 6º lugar à agremiação. O samba-enredo, inclusive, chegou a ser “sampleado” por uma grande rádio em uma de suas vinhetas esportivas. 

Para 1989, São Paulo era levada para a Avenida Tiradentes sob uma outra perspectiva, agora através da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, expoente do cinema nacional nos anos 1950 com sede em São Bernardo do Campo. Com luxo e um samba-enredo que funcionou muito bem na pista, o 3º lugar foi garantido num ano com uma campeã controversa. Na sequência, um típico sábado paulistano foi mostrado na pista. E depois de bater algumas vezes na trave, o 3º título “até que enfim” veio embalado por um samba de refrão muito popular: “R com O/S com A/ Vai ganhar ouro quem souber o que é que dá (Rosas!)”. No cortejo de 1991, a Roseira fugiu um pouco do tema paulistano e fez uma homenagem às mulheres, que lhe rendeu mais um campeonato, que, como no ano anterior, foi dividido com o Camisa Verde e Branco.

Imagem do desfile campeão de 1990 da Rosas de Ouro. Crédito: Reprodução | Internet

Depois desta passagem pela trajetória da azul e rosa, os trilhos desta locomotiva sambística nos deixa no nosso destino: o carnaval de 1992. A partir daqui, relembraremos um dos maiores clássicos da Rosas de Ouro e do Sambódromo do Anhembi. A folia de 92 já dava sinais de que seria marcante, a começar pela alta procura pelos ingressos. Outro detalhe que deu o que falar foi a definição da ordem dos desfiles, que, diferentemente dos anos anteriores, se deu por sorteio. Com exceção da Colorado do Brás (vice-campeã do Acesso em 91), todas as escolas foram alocadas de acordo com o resultado do sorteio. E sobrou para a Roseira a ingrata posição de 2ª agremiação a desfilar.

Na noite de sábado, dia 29 de fevereiro de 1992, iniciavam-se as apresentações no Sambódromo, que ainda estava em construção, tendo sido finalizado alguns anos depois de sua inauguração, que ocorreu em 1991. Depois da passagem da Colorado do Brás, todos os holofotes e expectativas estavam voltados para ela, uma das então bicampeãs. A Rosas de Ouro vinha com um contingente de 3000 componentes, de acordo com a Tv Gazeta, que defendiam o enredo “Non dvcor dvco. Qual é a minha cara?”, concebido pelo carnavalesco Tito Arantes. O termo em latim no título é o lema presente no brasão da cidade de São Paulo, que é traduzido como “Não sou conduzido, conduzo”. A proposta era mostrar as várias faces da metrópole desde sua formação até a contemporaneidade, passando por grandes marcos do município.

O cortejo se iniciava dando forma ao título do enredo com a comissão de frente, onde os componentes vinham fazendo alusão ao símbolo criado por Guilherme de Almeida e José Wasth Rodrigues em 1916. Os integrantes vinham vestidos de guerreiros e empunhavam a bandeira da cidade em referência à figura central do brasão do município. O abre-alas complementava a mensagem da comissão e chamava atenção pelos bandeirões em preto e branco, que tremulavam à medida em que o carro adentrava a pista. Quem também fazia referência ao brasão eram os ritmistas da bateria de mestre Romildo Lacerda, que tinham adereços de cabeça que recriavam a coroa-castelo presente no emblema. Após o abre-alas, há uma ala que referencia os lampiões de gás utilizados na iluminação pública até as primeiras décadas do Século XX.

Detalhes da comissão de frente e do carro abre-alas da Rosas de Ouro em 1992. Crédito: Reprodução | Globo/Tv Gazeta.


“Bom é recordar… Bom demais
Velhos lampiões de gás
Candelabros, garoa, galos nos quintais”

Em seguida, uma das alegorias representava a Sé, onde se encontra a histórica Catedral, que foi inaugurada em 1954, quando a cidade de São Paulo completou 400 anos de fundação. No carro é possível ver uma representação do marco zero e dos diferentes tipos de pessoas que transitam e habitam este ponto da região central da capital paulista. Outro marco do 4º centenário foi lembrado na apresentação: o Parque Ibirapuera, inaugurado em agosto de 1954, foi citado em alas que remetiam ao contato com a natureza e ao lazer proporcionado pelo espaço. No meio destas alas, vinha um tripé que reproduzia o Obelisco em homenagem à Revolução Constitucionalista de 1932, localizado no Parque. Em outro momento, havia também um carro alegórico que ilustrava a Avenida Paulista, com representações do MASP e de outros pontos importantes.

“O ar, cadê meu ar?
No Ibirapuera vou deitar e rolar
Paulista dos barões do café
Catedral, Marco Zero, salve a praça da fé!”

As baianas da Brasilândia, muito animadas, vieram em fantasias brancas com detalhes em dourado, pano da costa em cor-de-rosa e branco e na cabeça uma rosa. O famoso cruzamento da Avenida São João com a Ipiranga também apareceu no cortejo em uma das alas e numa alegoria. Aqui chama-se a atenção para o número de destaques nos queijos que representavam os prédios,  que não foi exclusividade deste carro. Segundo a TV Gazeta, a Roseira levava para a Avenida um total de 145 destaques. Outro detalhe a ressaltar é a relação da Avenida São João com o carnaval, já que a via foi o primeiro palco dos desfiles das escolas de samba após a transferência dos cortejos para o centro da cidade.

“Lugar de bamba, fala São João, fala Ipiranga
Rosas baianas faz no largo do Arouche
Toda a cidade girar”

O 1º casal de mestre-sala e porta-bandeira, formado por Jorginho e Nenê, estava muito bem vestido em roupas em branco e prata. Muitas plumas adereçavam as indumentárias. O figurino volumoso não atrapalhou o bailado e também deu destaque ao pavilhão pelo contraste das cores. O futebol não ficou de fora da festa. Um dos momentos da exibição é marcado pelas fantasias e pela alegoria que faziam menção às torcidas e aos jogos. Para representar o Theatro Municipal, a escola contou com uma ala caracterizada como dançarinos que faziam passos de balé em frente ao carro que reproduzia a fachada do prédio inaugurado em 1911.

“É gol! Treme terra lá na geral
São milhões de divinos violinos lá no Municipal”

1º casal de mestre-sala e porta bandeira da Rosas de Ouro em 1992. Crédito: Reprodução | Tv Gazeta

Um dos auges do desfile e do samba-enredo é marcado pelas citações ao rio Tietê. Na pista, uma ala representava a poluição do rio, que se intensificou a partir do início do século passado. A ala precedia uma alegoria que mostrava o rio e fazia menção ao Parque Ecológico do Tietê, localizado na Zona Leste da capital e inaugurado em 1982. O verso “Tietê, quero um dia beber você” sintetiza esta passagem do enredo. Para alguns, à primeira escuta este verso pode parecer estranho. Mas existe um sentido nele, já que o mesmo dialoga com o contexto da cidade em que se vislumbrava a despoluição do rio. Em 1991, havia sido ordenado o estabelecimento de um programa para reverter o quadro de degradação. No ano seguinte, foi lançado pelo Governo Estadual o Projeto Tietê, que não obteve muito sucesso em suas metas ao longo das décadas.

“Tietê, quero um dia beber você
As crianças virão saciar a sede na conchinha da mão”

Não poderiam faltar referências ao samba paulistano no desfile. Aqui destacamos o elemento alegórico que homenageava três ícones da folia em São Paulo: Eliana de Lima, Thobias da Vai-Vai e o próprio Royce do Cavaco, o sabiá. Os três cantores eram figuras em evidência na cena carnavalesca da época. A apresentação se encerra com a “locomotiva do Brasil”, apelido dado a São Paulo que expressa a força da cidade e sua participação significativa para o progresso do país. A alegoria trazia como elemento central uma maria-fumaça nas cores da bandeira do estado: preto, vermelho e branco.

Homenagem aos intérpretes e detalhe do último carro da Rosas de Ouro em 1992. Crédito: Reprodução | Tv Gazeta

“A estrela Sampa brilhou iluminando os pioneiros”

A posição de desfile não intimidou a agremiação. Mesmo sem a opulência de anos anteriores, a Roseira balançou o Anhembi em uma das apresentações mais vibrantes da passarela paulistana. Boa parte disso se deve ao desempenho do sabiá, Royce do Cavaco, que, junto de seu time de canto, conduziu o samba com maestria, apostando em variações de tonalidade sem perder a harmonia. O samba-enredo também é parte essencial do sucesso da azul e rosa naquele ano. A obra de João do Violão e Miltinho se consolidou como um dos sambas antológicos do carnaval de São Paulo, sendo considerado por alguns sambistas o hino não-oficial da cidade.

“Meu sabiá, ô ô ô ô
Soltou o trinar, cantou, cantou
Deu um show na passarela
Levantou a galera
Bateu asas e voou”

A locomotiva azul e rosa passou com força total e se credenciou ao campeonato. O sonho do tri estava próximo de se tornar realidade. E assim foi: numa apuração bem movimentada, diga-se de passagem, a Rosas foi a tricampeã da elite do samba paulistano. Dessa vez, a escola conquistou o troféu sozinha, com um total de 294 pontos, três pontos à frente das vice-campeãs, Vai-Vai e Camisa Verde e Branco. E a locomotiva seguiu avançando e conquistou mais um campeonato em 1994, seguido de dois vices em 1995 e 1996, respectivamente.

Comemoração do título de 1992 na quadra da Freguesia do Ó. Crédito: Reprodução | Internet

Esse sucesso se deve ao envolvimento de sua comunidade, mas também ao trabalho de gestão pautado na organização que foi empregado por Eduardo Basílio ao longo dos anos. Basílio administrou a agremiação com firmeza e muita dedicação desde a sua fundação, tendo deixado um enorme legado no mundo do samba. Sua gestão foi até 2003, ano de sua partida. A continuação do legado ficou por conta de sua filha, Angelina, que, assim como o pai, conhece a Rosas de Ouro como a palma da mão. Ela acompanhou a família por vários momentos e passou pelos mais diversos segmentos da agremiação, da ala das baianas à diretoria.

Apesar de ser conhecida no samba paulistano, Angelina Basílio teve que ser muito forte para superar as barreiras que vieram pelo caminho, entre elas o machismo e até um atentado. Ela pensou em desistir, mas recebeu um sinal para seguir em frente. E foi sob seu comando que a Roseira conquistou seu 7º título em 2010. Além disso, a escola também acumulou mais três vice-campeonatos (2012, 2013 e 2014). Com o passar dos anos, ela se tornou uma das maiores referências femininas do universo carnavalesco e uma das figuras mais adoradas da folia paulistana.

Angelina Basílio com seu pai, Eduardo. Crédito: Reprodução | Instagram Rosas de Ouro

Depois de 1992, São Paulo voltou a se encontrar com a entidade carnavalesca em outras oportunidades, como em 1996, quando “o prédio dos Correios na Av. São João” foi um dos destaques; em 1997 quando ela apresentou a Paulicéia como a capital mundial da gastronomia; em 1998 quando prestou tributo ao conjunto Demônios da Garoa e em 2001, quando exaltou Caio de Alcântara Machado, idealizador do Parque Anhembi, que desde 1991 abriga o Sambódromo. Através das décadas, a Rosas de Ouro criou uma forte identificação com os temas paulistanos, que ficou cristalizada no imaginário sambístico. Não se pode falar de São Paulo no carnaval sem a Rosas de Ouro, e não se pode falar da agremiação sem se falar de São Paulo. A escola se tornou referência quando o assunto é a grande metrópole, e é considerada por muitos aquela que melhor canta a cidade, mesmo que por uma perspectiva mais romântica.

O ano de 2004 marcou o primeiro desfile sob a gestão de Angelina Basílio e também o último enredo sobre São Paulo, que foi cantada através de seus monumentos. Mesmo com grandes apresentações nos anos seguintes, ficava aquela saudade. E depois de 20 anos, para alegria de muitos torcedores e admiradores, São Paulo e Rosas de Ouro se encontrarão novamente. O Parque Ibirapuera, reduto verde eternizado em versos do samba de 92, é o enredo para o carnaval de 2024. Ao “ver o Sol nascer”, os 70 anos do espaço serão celebrados sob a mágica aura da luz do dia que também faz parte do imaginário da Roseira, e que consagrou algumas de suas últimas apresentações.

“Se você não conhece, venha conhecer
Venha colher Rosas, ver o sol nascer”

Agradecimentos:

Rodrigo Godoi – Compositor e Diretor de comunicação da Sociedade Rosas de Ouro
Victor Lebro – Diretor de Carnaval da Sociedade Rosas de Ouro










 

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Arte por Lucas Monteiro

Texto: Débora Moraes
 
Rosa Magalhães e Leandro Vieira são os carnavalescos que mais tiveram seus trabalhos exibidos em exposições em instituições de arte. Além de colecionarem esse título, ambos tiveram apenas uma exposição individual dedicada ao que haviam apresentado naquele ano com o mesmo objetivo: mostrar que existe muito mais na produção do carnaval das escolas de samba do que o exibido no desfile. Nesse texto, vamos analisar como a cobertura dos jornais sobre as duas exposições e os dois carnavalescos foi diferente, mesmo com as exposições sendo tão semelhantes, a ponto de até as fotos ilustrando as matérias (que possuem 27 anos de diferença) serem parecidas.

A exposição do Leandro acontece com o apoio do Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que acompanhou todo o processo da Mangueira para 2017, contribuindo para a pesquisa sobre o enredo e registrando a memória do processo, que resultou na exposição e na publicação “Arte e Patrimônio no carnaval da Mangueira”. “#bastidoresdacriação – Arte aplicada ao carnaval” foi uma das quatro exposições inauguradas em junho de 2017, no Paço Imperial, como parte da agenda de comemoração dos 80 anos do Iphan.

Figurinos em exposição no Paço Imperial, 2017, foto de Léo Martins.

Já “Salgueiro 90” é organizada por Rosa Magalhães junto com a direção da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, tendo a agremiação alvirrubra pago cerca de Cr$500.000,00 (quinhentos mil cruzeiros) para a exposição acontecer. Para os jornais, Rosa afirma que “não são todas as escolas que têm condições de bancar um projeto desse tipo”, indicando que os quinhentos mil cruzeiros que custou era um preço elevado. Para termos uma ideia dos valores à época, na transmissão do carnaval de 1990 pela Globo, durante o desfile da São Clemente (então também parte do Grupo Especial), os repórteres perguntam aos foliões o preço das fantasias, e uma delas diz ter pagado NCZ$ 600,00 (seiscentos cruzados novos), o que alega ser “muito barato”. Um dos repórteres anuncia que para participar dos desfiles estava sendo cobrado a turistas o preço de NCZ$ 3.000,00 (três mil cruzados novos), com fantasia inclusa. E outra repórter pergunta a uma foliã, que diz ser lojista e ter pagado NCZ$ 3.500,00 (três mil e quinhentos cruzados novos), se ela precisou economizar o ano todo para comprar a fantasia. A moeda mudou do Cruzado Novo (NCZ$) para o Cruzeiro (Cr$) em março de 1990, e a conversão entre as moedas era NCZ$ 1,00 para Cr$ 1,00, ou seja, um cruzado novo equivalia a um cruzeiro. 

A “Salgueiro 90” levou para o Parque Lage quinze fantasias, quatorze esculturas, faixas e estandartes, desenhos de figurinos (com amostras de pano), de carros alegóricos e de esculturas, além de centenas de fotos do processo de criação do desfile “Sou Amigo do Rei”. Ainda havia quatro sessões, ao longo do dia, exibindo um vídeo sobre a criação das esculturas, desde o corte do isopor e a produção da fibra de vidro. 



Rosa Magalhães posa ao lado da escultura de onça na piscina ao centro do prédio da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Foto de Renan Cepede para o Jornal do Brasil.

A “#bastidoresdacriação” teve a curadoria feita pelo próprio Leandro Vieira, que levou as fantasias mais marcantes do enredo “Só com a ajuda do Santo”, como a da porta-bandeira Squel Jorgea, a da bateria de São Francisco, a das baianas com os saquinhos de Cosme e Damião e outras. Havia também desenhos (com pedaços de tecido e anotações), maquetes das alegorias, miniaturas das fantasias, um vídeo making-off do desfile, um painel com o cronograma da confecção de um desfile e dúzias de fotos e textos – dos desenhos, das fantasias, do barracão, do pré e pós desfile.

Apesar de apresentarem um material semelhante e com objetivo parecidos, os carnavalescos, ao falarem sobre as exposições em entrevistas, se comportam de maneira quase opostas. Em relação aos seus papéis como carnavalescos, Leandro é adamante quanto a sua posição na criação de cada etapa do enredo e desfile enquanto Rosa se afasta da atribuição de centralidade. A própria Rosa fala que “podemos dizer que esta exposição tem a assinatura de todo o Morro do Salgueiro” (ALONSO, 1990). Os jornalistas que escrevem sobre a exposição ecoam essas palavras em suas matérias:

Esta não é uma exposição individual, mas uma coletiva (RIZZO, 1990)

A exposição tem uma só assinatura: ‘Morro do Salgueiro!’ (RITO, 1990)

O Salgueiro quer, na verdade, homenagear a coletividade através do produto de um trabalho também coletivo, com a participação dos artistas do morro e do asfalto (O FLUMINENSE, 1990)

Reportagem do O Globo de 1990.


As matérias contribuem para o entendimento de que esta não é uma exposição de Rosa Magalhães (como carnavalesca ou como artista), embora ela assine o enredo, além de ter feito a curadoria da mostra junto com a direção da Escola de Artes Visuais (EAV). Isso contrasta com a postura de Leandro, que é retratado como o carnavalesco que abre uma exposição individual (em que também é responsável pela curadoria), mesmo que também estivesse exibindo o trabalho do desfile da Mangueira. Os posicionamentos dos carnavalescos nas suas respectivas entrevistas provavelmente influenciaram o que os jornalistas reportaram sobre cada um.

Rosa se posiciona contra uma visualização das peças para além do desfile, enquanto Leandro não queria “trazer nada que lembrasse a Sapucaí” (BRUNO, 2017).  A carnavalesca diz que a “intenção é resgatar a plasticidade do carnaval e evitar a tendência de que as peças criadas para os desfiles, vistas em outro espaço, ganhem nova configuração” (LISBOA, 1990). Ela ainda afirma que a obra não deve ser vista da mesma forma que “uma peça de museu”, mas que “carregue a versatilidade do desfile” (LISBOA, 1990). Para Vieira, ao contrário, “quando surgiu a oportunidade de fazer esta exposição num lugar como o Paço, achei que era a chance de mostrar o carnaval como arte” (BRUNO, 2017).

Podemos argumentar que a simples ação de retirar as partes do desfile do ato que acontece na Passarela do Samba e transportá-las para o Parque Lage já é dar a elas uma nova configuração: uma escultura em cortejo versus um objeto imóvel, uma fantasia vestida por um integrante sambando versus em um manequim parado, as peças vistas de longe da arquibancada versus vistas de perto. Mas é mais interessante perceber que Rosa parece contra a ideia de as criações do desfile serem vistas como a arte de museus e galerias e, por isso, fale de uma “versatilidade” que existe no desfile e não na “peça de museu”. Enquanto isso, Leandro trabalha o material de forma que ele não seja idêntico ao do desfile, exatamente porque deseja que aquilo seja visto como a arte que possa fazer parte de galerias e museus.

Frederico Morais, importante crítico da arte brasileira, é o responsável pela apresentação da exposição de Rosa Magalhães, o que faz com exaltação ao comentar que a considera um ponto de “confluência das diferentes tendências do carnaval” (MORAIS, 1990). As observações do crítico se estendem primeiro ao carnaval em geral, quando comenta sobre a estética de outras escolas e carnavalescos (Fernando Pinto, Arlindo Rodrigues, Fernando Pamplona) a partir de suas próprias análises da festa por meio de “categorias estéticas eruditas”, ressaltando-a como forma de arte brasileira. 

A apresentação de Morais, considerando sua campanha a favor da obra de Fernando Pinto, em 1983, e seus textos acerca da festa evocam um apoio à presença do carnaval num espaço de arte de vanguarda, como no trecho em que convida os alunos e professores do Parque Lage a trocarem as salas de aula por barracões. No entanto, é interessante notar que em nenhum momento, neste texto, Rosa Magalhães é chamada de “artista”, ainda que seu autor use categorias da arte para tratar do carnaval e de outros carnavalescos.

A intenção de expor uma escola de samba dentro de um espaço de arte vanguardista como o Parque Lage gera uma certa comoção na imprensa, de maneira que uma jornalista chega a dizer (erroneamente) que “esta é a primeira vez que uma escola de samba traz suas fantasias, bandeira e esculturas para um espaço tradicionalmente dedicado aos artistas de vanguarda” (LISBOA, 1990). Na verdade, menos de uma década antes havia ocorrido uma exposição de Fernando Pinto. Outros jornalistas ainda fazem questão de ressaltar que a mostra significa o encontro do popular com o erudito vanguardista (LISBOA, 1990; AYALA, 1990), até mesmo citando o texto de Morais. Importante destacar que, diante dessas matérias nos meios de comunicação, a exposição “Salgueiro 90” não parece ter sido aproveitada para estender a possibilidade de outras escolas e carnavalescos também ocuparem esses espaços.


Reportagem do jornal O Globo de 12/06/2017.


Enquanto isso, o posicionamento de Leandro em seus discursos gira em torno do reconhecimento das criações para as escolas de samba enquanto material artístico e cultural, ponto que toma conta das matérias que saem a respeito. Uma delas chega a dizer que ele é “como um pilar dessa resistência cultural [do carnaval] ante a sanha do entretenimento” graças à insistência do carnavalesco em defender a visão do carnaval como arte. Em entrevista, ele explica que “quis fazer uma coisa que mostrasse os bastidores do processo artístico. Porque o Carnaval já vive há muito tempo, não é de agora, esse esvaziamento da produção artística. Das pessoas não olharem essa produção como uma produção de arte gigante, como arte plena. Tem o preconceito da sociedade brasileira como um todo com relação ao carnaval” (VIEIRA, 2020).

Os discursos de ambos os carnavalescos diante de suas exposições é importante para demarcar como eles se veem e como vão influenciar outros a vê-los. Leandro, que se coloca como criador individual e produtor de arte, e Rosa, que vê o desfile e, consequentemente, a exposição no Parque Lage como resultado de um trabalho coletivo. Seus posicionamentos também refletem a forma como querem que seus trabalhos sejam vistos – Leandro, que deseja que suas criações sejam vistas como arte por si só, e Rosa, querendo que elas permaneçam como parte do desfile.

Essa diferença de discurso se torna mais interessante quando voltamos a suas carreiras. Vieira é grande admirador de Rosa Magalhães e ambos estudaram na mesma Escola de Belas Artes da UFRJ, inicialmente nutrindo desejos de serem artistas plásticos. Magalhães chegou a ser selecionada, ainda na graduação, para a I Bienal da Bahia, em 1966. Já Vieira, apesar do desejo de ser “artista de galeria” desde jovem, começou a trabalhar no carnaval e alcançou a entrada na galeria a partir do reconhecimento do seu trabalho como carnavalesco. Rosa parecia nutrir um desejo por ser “artista de galeria” antes de entrar para o carnaval e, talvez por isso, para ela, esteja muito bem definida a diferença entre essa arte que ela vivenciou nos tempos de universidade e a arte que passou a criar numa escola de samba.

Ela vai na contramão do pensamento geral de um carnavalesco como artista/criador individual, mencionando a ideia de produção coletiva e colaborativa. Até mesmo sua vontade de que a produção não se torne arte institucional parece apontar para uma intenção do carnaval como arte popular, como festa que é produzida a muitas mãos para aquele objetivo específico, neste caso, o desfile. Sua história nas escolas de samba começa como parte de um grupo, dos alunos de Pamplona, onde dividia as criações nos desfiles com Joãosinho Trinta, Maria Augusta e muitos outros. Para Rosa, talvez esteja tão clara a diferença entre a arte que produzia e a que passou a produzir, que seja esse o motivo pelo quando chame tanta atenção para o fato de que ali a criação é coletiva e que as obras não são como as de museu. Com esse discurso, ela chama atenção para outra face do carnaval, quase oposta da posição tomada pela maioria dos carnavalescos e estudiosos. A visão de Rosa Magalhães nos oferece uma nova possibilidade de visão do artista dentro do carnaval. 



Referências bibliográficas

ALONSO, Paulo. Exposição traz de volta a folia. O Globo, 30 abr. 1990. 
RIZZO, Walter. Exposição do Salgueiro. Publicado na coluna “Bola Social”, em Jornal dos Sports, 2 de maio de 1990.
O SAMBA também gera exposição. Jornal o Fluminense, Niterói, 8 mai. 1990.
BRUNO, Leonardo. Carnavalesco da Mangueira abre exposição no Paço Imperial. Publicado em O Globo, 12 jun. 2017a. Disponível em <https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/carnavalesco-da-mangueira-abre-exposicao-no-paco-imperial-21465049?fbclid=IwAR38FMc0-tMzpp6yhsQkFkxtp_25h-II1JRm7_aP45FwXu5BNK6Nl8pksWk>. Acesso em 17 jun. 2021.
LISBOA, Salete. Salgueiro mostra sua arte. Publicado em Jornal O Dia, 5 de maio de 1990.
MORAIS, Frederico. Texto de Frederico Morais sobre a exposição Salgueiro 90. Rio de Janeiro, abr. 1990. Disponível em <https://www.memorialage.com.br/luiz-aquila/texto-de-frederico-morais-sobre-exposicao-salgueiro-90/>. Acesso em 9 set. 2021.
AYALA, Walmir. Amiga do Rei. Última Hora, 4 de maio de 1990.
VIEIRA, Leandro. Entrevista com Leandro Vieira. Revista Concinnitas, Rio de Janeiro, v. 21, n. 37, jan. 2020. p. 12-39. Entrevista concedida a Alexandre Sá, Claudia Saldanha, Inês Araújo, Felipe Ferreira, Luiz Guilherme Vergara.



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