Mulheres do Samba: a luta do batuque feminino
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Foto: Léo Queiroz |
Por Beatriz Freire
Fomos confortados durante nove meses num ventre: aquecido, aconchegante, familiar, com o sentimento de amor contínuo e exalante, tal qual fevereiro, tal qual o carnaval e os quintais de Ciata e das tias baianas, que abrigaram em seus lares, seios e vozes os filhos que nasceram junto com os batuques de nossa gente. Nós, mulheres do samba, somos herdeiras diretas e protagonistas da Avenida de histórias; braços fundamentais, pilares do gênero e de nossas agremiações.
Fomos silenciadas, riscadas dos registros de nossos próprios feitos. Dona Ivonne Lara, luz que nos guia, por muitos anos se valeu do nome do primo pelo escândalo social que era ter uma mulher compondo sambas à época. Ruça, a presidenta campeã de Kizomba em 1988, não tem seu rosto estampado no mural da sede da Unidos de Vila Isabel, ao lado dos que já ocuparam o mesmo cargo que ela, assim como Ildes Pereira. Apenas vinte e um anos depois uma figura feminina esteve à frente de uma agremiação que foi campeã do Grupo Especial carioca: Regina Celi, "a mãe de mais de 4200 salgueirenses", como ela mesma se descreve.
Eliana de Lima, Bernardete e Elza Soares foram figuras imprescindíveis para a superação dos lugares que eram "tradicionalmente femininos". Mais de trinta anos depois, ainda somos recepcionadas com olhares desconfiados quando uma de nós assume o microfone principal de duas grandes escolas de samba do carnaval, no Rio de Janeiro e em São Paulo, como o exemplo de Grazzi Brasil.
Dezenas de meninas ocupam, por muitos anos, cargos de apoio em carros de som e mal sabem a sensação de ser a voz que representa oficialmente uma comunidade.
Sempre tivemos espaços definidos: à frente da bateria – mas não como mestres -, na ala de passistas, em queijos de alegorias, como defensoras dos pavilhões e bailarinas das comissões de frente. Que maravilha saber que nossas companheiras nesta caminhada tenham ocupado com tanta maestria e dignidade cargos muito nobres e empoderadores ao mostrarem samba no pé e autonomia sobre o próprio corpo, além da elegância em portar o símbolo maior de uma escola. Porém, ao enfileirar carnavalescos, atualmente não chegamos a usar todos os dedos de uma única mão para totalizar quantas de nós são as criadoras de um desfile; uma Rosa desabrochou em meio aos cravos. As demais, igualmente fortes, quando mostram sinais de sua presença, são sombreadas, e mesmo que estejam cheias de vida não alcançam a luz do sol. Assim, ainda que sejam as mesmas sementes de Ciata, não têm aquela sensação primeira de aquecimento, aconchego, familiaridade, com o sentimento de amor contínuo e exalante, tal qual fevereiro em sua plenitude. Maria Augusta também abriu caminhos, mas nas curvas tortuosas dessa estrada vislumbramos apenas quatro carnavalescas atuantes no Rio de Janeiro, e somente a Professora com nome de flor assina seus projetos sozinha. O processo árduo e muito lento constrói de forma gradual – e também tardia – a noção de representatividade.
Meninas e mulheres, o oito de março é um dia de simbologia e luta. Estejam presentes nas quadras, sejam ativas nos debates, ocupem microfones, baterias, barracões, vistam suas sandálias de passistas, costeiros, portem os pavilhões, apropriem-se do espaço que é de todos, sem definição de gênero, e acreditem que podem, sim, assumir as cadeiras presidenciais e quaisquer outros lugares que quiserem.
O Carnavalize, orgulhosamente, é feito por três mulheres conscientes de seus papeis, sempre movidas pelo amor ao samba e o desejo de que reunamos forças para que consigamos romper barreiras que naturalmente são colocadas em nossos caminhos. Guiadas por tantas figuras ilustres, desejamos a todas dias melhores e caminhos mais oportunos. Estamos juntas!