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5x Caprichosos: A irreverĂȘncia de Pilares

by - maio 18, 2017

por Beatriz Freire e Leonardo Antan



Os dois rebaixamentos da Caprichosos de Pilares preocuparam e entristeceram todos os foliĂ”es. Com uma trajetĂłria marcante e que ajuda a contar um perĂ­odo da histĂłria dos nossos desfiles, a azul e branco do subĂșrbio se tornou querida do grande pĂșblico pelo seu estilo irreverente e crĂ­tico em seus desfiles na dĂ©cada de 1980. No momento da abertura polĂ­tica, que a sociedade clamava pelas "Diretas JĂĄ" na fase final da ditadura, a Caprichosos levou o grito das ruas para a SapucaĂ­, se firmando no imaginĂĄrio atravĂ©s de seus carnavais de muita alegria e leveza.



1982 - "Moça Bonita não paga"


"Tem zoeira, tem zoeira / Hora de xepa Ă© final de feira"



Pilares jå contava com uma trajetória de 33 anos desde sua fundação, mas a agremiação apenas cumpria tabela nos grupos inferiores da folia. Em råpidas passagens na elite da festa nos anos 50 e depois em 1961, jå eram quase vinte anos longe de desfilar com as protagonistas, fazendo enredos chapa-branca louvando figuras tradicionais da História brasileira. Essa primeira fase da trajetória da azul e branco ficaria para trås com a chegada do carnavalesco Luiz Fernando Reis que assinaria seu primeiro carnaval solo. O professor de matemåtica vivia o mundo do samba jå tinha algum tempo, com passagens pela Santa Cruz e Cabuçu. Ele tiraria da cartola um enredo que havia sido rejeitado na escolas por onde passou: a feira livre.



Inspirado nos carnavais de Maria Augusta na UniĂŁo da Ilha anos antes, marcados pela leveza e colorido, o artista faria um grande ode a feira com um passeio pelo lugar atravĂ©s da personagem Lili, que era apenas citada na sinopse e se tornou protagonista a partir do samba composto por Ratinho. A obra foi a primeira na discografia dos sambas-enredo a citar a inflação que começava a tirar o sossego dos brasileiros. Sob um sol a pino, a escola fez um desfile antolĂłgico que contagiou as massas. Os carros eram decorados com frutas e verduras de verdade e momento de catarse entre pĂșblico e a escola foi tĂŁo grande, que os alimentos foram distribuĂ­dos para as arquibancadas. O resultado nĂŁo podia ter sido outro: o acesso ao especial apĂłs tanto tempo.


1985 - "E por falar em saudade"

"Diretamente, o povo escolhia o presidente / Se comia mais feijĂŁo / VovĂł botava a poupança no colchĂŁo / Hoje estĂĄ tudo mudado / Tem muita gente no lugar errado"



ApĂłs sua ascensĂŁo ao grupo especial, a agremiação de Pilares se fixaria como protagonista de fato no emblemĂĄtico ano de 1985. Um ano antes, na inauguração do SambodrĂłmo, a escola ia surpreender pelo desfile alegre e colorido em homenagem a Chico AnĂ­sio, garantido uma vaga inĂ©dita para os desfiles da campeĂŁs e, consequentemente, chegando ao sexto lugar no supercampeonato daquele ano realizado no sĂĄbado pĂłs-carnaval. Para 1985, as expectativas eram grandes e atravĂ©s da sinergia entre o trabalho do politizado Luiz Fernando Reis, em parceria com o figurinista FlĂĄvio Tavares, junto com o antolĂłgico samba composto por Almir de AraĂșjo, Balinha, Marquinho Lessa, HĂ©rcules e Carlinhos de Pilares colariam definitivamente a azul e branco no hall das agremiaçÔes histĂłricas da nossa folia.

O visual poluĂ­do e multi-colorido do desfile de 85 (Fonte: O Globo)

A sintonia com o momento politico do paĂ­s, a estĂ©tica simples e comunicação direta, com a irreverĂȘncia e crĂ­tica dos "velhos tempos que nĂŁo voltam mais". Novamente sob o sol escaldante, a comunicação direta entre pĂșblico e a escola foi ainda mais presente fazendo os foliĂ”es na arquibancada evoluĂ­rem de um lado por outro. A escola amargaria apenas a quinta colação aquele ano, injustamente, mas ganharia o Estandarte de Ouro de Melhor Escola, o Ășnico da sua trajetĂłria. 

1989 - "O que Ă© bom todo mundo gosta"


"Todos gostam do que Ă© bom / Tira a mĂŁo do meu paĂ­s / Se liga no que a histĂłria diz"



ApĂłs o marcante ano de 85, o trabalho de Luiz Fernando perderia sua sintonia com o pĂșblico e amargaria posiçÔes cada vez piores. A busca por melhores colocaçÔes atravĂ©s de uma estĂ©tica mais "sofisticada" faria o artista irreverente romper de vez com escola em 1987. Para o seu lugar, a dupla Renato Lage e LĂ­lian Rabello assumiria, vindo de bons desfiles pelo ImpĂ©rio Serrano. Com uma estreia simpĂĄtica em 88, numa apresentação sobre a histĂłria do cinema, a azul e branco voltaria a apostar um enredo com a sua identidade, bastante irreverente e ao mesmo tempo crĂ­tico: "O que Ă© bom, todo mundo gosta".

Detalhe da alegoria sobre o Descobrimento do Brasil (Fonte: PĂĄgina Tantos Carnavais)

O desfile propĂŽs contar ao pĂșblico sobre todas as riquezas que foram exportadas e exploradas no Brasil desde os tempos em que Cabral pisava neste solo verde e amarelo. O samba composto por Wanderlei Novidade, Paulinho Rocha, Vanico do Beco, Walter Pardal e Jorge 101, em seu tom satĂ­rico e bem humorado, denunciava os mĂșltiplos interesses dos diversos paĂ­ses e empresĂĄrios que tanto extraĂ­ram produtos do paĂ­s, citando atĂ© mesmo paraĂ­sos fiscais que eram e ainda sĂŁo destinos de um dinheiro provido do bolso do povo. Quanto Ă s alegorias e desenvolvimento do desfile, a dupla de carnavalescos muito agradou com um abre-alas que retratava a perda de todas as riquezas do Brasil em um cais, desde o pau-brasil, da Ă©poca colonial. Um outro carro tambĂ©m colocou o dedo na ferida do cenĂĄrio polĂ­tico: a alegoria representava o Congresso Nacional invadido por ratos que o roĂ­am, em um momento muito recente Ă  redemocratização do paĂ­s. O samba nĂŁo contagiou como esperado a evolução da Caprichosos enfrentou alguns problemas. Assim, a escola terminou com o dĂ©cimo segundo lugar do Grupo Especial.


2005 - "Carnaval, Doce IlusĂŁo. A Gente Se Encontra Aqui, No Meio da MultidĂŁo. 20 Anos de Liga"



"É carnaval, Ă© samba a noite inteira / Mulata, cachaça, tem muita zoeira / Vem cĂĄ meu bem, me dĂȘ seu coração / E nĂŁo a bolsa, o relĂłgio e o cordĂŁo"



ApĂłs apostar na volta de Luiz Fernando Reis na dĂ©cada de 1990 sem o sucesso de outrora e patinar no especial e sofrer atĂ© um rebaixamento em 1996, a Caprichosos permaneceria um perĂ­odo sem mostrar sua identidade apostando em outras fĂłrmulas na busca de garantir melhores posiçÔes. Nos anos 2000, entretanto, a veia irreverente viria Ă  tona sob o comando do carnavalesco Chico Spinoza, quando a escola de Pilares desfilou com o enredo "Carnaval, doce ilusĂŁo. A gente se vĂȘ aqui no meio da multidĂŁo: 20 anos de Liga", homenageando a segunda dĂ©cada da Liga Independente das Escolas de Samba. O samba de J.L. Froes, Danoninho, Edmar, Jorge 101, Fernando Lima, R. França e Lee Santana relembrou vĂĄrios outros sambas de desfiles marcantes que passaram na Avenida. Em seus versos, a letra fazia uma viagem do Sapoti da EstĂĄcio de SĂĄ ao Ita salgueirense, passando pela prĂłpria Caprichosos da Cabrocha Lili e da saudade, pela Kizomba do Povo de Noel. O Ășnico erro do desfile foi a citação aos desfiles da prĂłpria Caprichosos em 1982, e o do ImpĂ©rio Serrano com Bumbum Paticumbum Prugurudun, acontecido anos antes da criação da Liga.

Alegoria sobre os grandes desfiles da Caprichosos em 2005 (Print do Youtuber)

As atençÔes do desfile foram direcionadas, principalmente, para o grupo que trazia homens como porta-bandeiras e uma mulher no papel de mestre-sala. Uma alegoria de mais de 40m de comprimento representando a arquibancada da MarquĂȘs tambĂ©m foi destaque, composta por mais de 300 pessoas. O resultado, no entanto, nĂŁo foi dos melhores e trouxe o 11Âș lugar para a escola, que ainda conseguiu se manter no Grupo Especial. Outro destaque foi a alegoria representando os icĂŽnicos carnavais da azul e branco sob a batuta de Luiz Fernando Reis que ganhou atĂ© uma escultura representando.

2015 - "Na minha mĂŁo Ă© + barato"


"Tem escritĂłrio de samba quebrando a firma! / Quem dĂĄ mais no mestre-sala?
Quanto vale a tradição? / Ă‰ mais barato aqui na minha mĂŁo"




ApĂłs o rebaixamento em 2006, a Caprichosos nĂŁo voltaria para o especial atĂ© hoje. Em 2011 viveria um outro momento crĂ­tico como o atual. ApĂłs um desfile desastroso assinado por Amauri Santos em 2011 sobre a vida no subĂșrbio e consequentemente um rebaixamento para o terceiro grupo, a Caprichosos louvaria sua prĂłpria histĂłria sacudindo a poeira e dando a volta por cima em 2012 quando fez uma homenagem a si mesma. A junção dos grupos A e B que geraria a atual SĂ©rie A seria benĂ©fica para a azul e branco, mantendo-a numa situação relativamente confortĂĄvel. O ponto fora da curva viria em 2015, quando o entĂŁo desconhecido Leandro Vieira foi chamada para assinar seu primeiro desfile solo. 



Com carreira jĂĄ extensa nos bastidores da festa, Leandro surpreenderia Ă  todos com seu talento artĂ­stico. Ao contar a histĂłria do mercado informal no Brasil, ele aliaria um tema mais histĂłrico contado Ă  maneira divertida da Caprichosos, com direito a crĂ­tica a capitalização dos desfile no momento final. A comissĂŁo de frente trouxe uma brincadeira acerca dos camelĂŽs do centro do Rio e do famoso "rapa", alerta de quando os guardas chegam para levar as mercadorias.  O samba, apesar de nĂŁo ser nenhuma obra-prima, cumpriria bem seu papel, levando Ă  escola a fazer a sua Ășltima grande apresentação atĂ© aqui. O refrĂŁo do samba composto por Lee Santana, Geraldo Rodrigues, Marcelo Schimidt, Anderson Rodrigues, Queilo e Fernando de Lima criticava o valor do carnaval em seu refrĂŁo principal, e um questionamento do mesmo teor veio no Ășltimo carro da escola: "quanto vale o respeito ao samba". Com novos ares de um jovem e talentoso carnavalesco, a Caprichosos conquistou um confortĂĄvel 7Âș lugar na sĂ©rie A.

A alegoria ironiza a polĂ­tica e clamava pelas diretas no ano de 1984.


Marcada por sua identidade dada por um dos grandes artistas da nossa folia, a Caprichosos Ă© personagem do fundamental da trajetĂłria dos desfiles. É pela sua irreverĂȘncia e alegria que sempre lembraremos com carinho da agremiação, seja em seus tempos ĂĄureos ou em momentos de mais dificuldade. Ao longo de sua trajetĂłria, a Caprichosos, desde entĂŁo, alternou entre momentos bons e ruins, sempre se asfaltando e se aproximando do estilo que a tornou famosa. A escola em 2018 desfilarĂĄ pela SĂ©rie C, jĂĄ que nĂŁo passa por um momento tĂŁo favorĂĄvel, com direito a fortes brigas polĂ­ticas. Homenageamos a escola  na esperança da chegada de dias melhores, que trarĂŁo esta agremiação tĂŁo querida de volta Ă  SapucaĂ­, com sua identidade Ășnica que jamais deve ser perdida. E faz falta nos tempos atuais.




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