5x Caprichosos: A irreverĂȘncia de Pilares
por Beatriz Freire e Leonardo Antan
Os dois rebaixamentos da Caprichosos de Pilares preocuparam e entristeceram todos os foliĂ”es. Com uma trajetĂłria marcante e que ajuda a contar um perĂodo da histĂłria dos nossos desfiles, a azul e branco do subĂșrbio se tornou querida do grande pĂșblico pelo seu estilo irreverente e crĂtico em seus desfiles na dĂ©cada de 1980. No momento da abertura polĂtica, que a sociedade clamava pelas "Diretas JĂĄ" na fase final da ditadura, a Caprichosos levou o grito das ruas para a SapucaĂ, se firmando no imaginĂĄrio atravĂ©s de seus carnavais de muita alegria e leveza.
1982 - "Moça Bonita não paga"
"Tem zoeira, tem zoeira / Hora de xepa Ă© final de feira"
Pilares jå contava com uma trajetória de 33 anos desde sua fundação, mas a agremiação apenas cumpria tabela nos grupos inferiores da folia. Em råpidas passagens na elite da festa nos anos 50 e depois em 1961, jå eram quase vinte anos longe de desfilar com as protagonistas, fazendo enredos chapa-branca louvando figuras tradicionais da História brasileira. Essa primeira fase da trajetória da azul e branco ficaria para trås com a chegada do carnavalesco Luiz Fernando Reis que assinaria seu primeiro carnaval solo. O professor de matemåtica vivia o mundo do samba jå tinha algum tempo, com passagens pela Santa Cruz e Cabuçu. Ele tiraria da cartola um enredo que havia sido rejeitado na escolas por onde passou: a feira livre.
Inspirado nos carnavais de Maria Augusta na UniĂŁo da Ilha anos antes, marcados pela leveza e colorido, o artista faria um grande ode a feira com um passeio pelo lugar atravĂ©s da personagem Lili, que era apenas citada na sinopse e se tornou protagonista a partir do samba composto por Ratinho. A obra foi a primeira na discografia dos sambas-enredo a citar a inflação que começava a tirar o sossego dos brasileiros. Sob um sol a pino, a escola fez um desfile antolĂłgico que contagiou as massas. Os carros eram decorados com frutas e verduras de verdade e momento de catarse entre pĂșblico e a escola foi tĂŁo grande, que os alimentos foram distribuĂdos para as arquibancadas. O resultado nĂŁo podia ter sido outro: o acesso ao especial apĂłs tanto tempo.
Inspirado nos carnavais de Maria Augusta na UniĂŁo da Ilha anos antes, marcados pela leveza e colorido, o artista faria um grande ode a feira com um passeio pelo lugar atravĂ©s da personagem Lili, que era apenas citada na sinopse e se tornou protagonista a partir do samba composto por Ratinho. A obra foi a primeira na discografia dos sambas-enredo a citar a inflação que começava a tirar o sossego dos brasileiros. Sob um sol a pino, a escola fez um desfile antolĂłgico que contagiou as massas. Os carros eram decorados com frutas e verduras de verdade e momento de catarse entre pĂșblico e a escola foi tĂŁo grande, que os alimentos foram distribuĂdos para as arquibancadas. O resultado nĂŁo podia ter sido outro: o acesso ao especial apĂłs tanto tempo.
1985 - "E por falar em saudade"
"Diretamente, o povo escolhia o presidente / Se comia mais feijão / Vovó botava a poupança no colchão / Hoje estå tudo mudado / Tem muita gente no lugar errado"
ApĂłs sua ascensĂŁo ao grupo especial, a agremiação de Pilares se fixaria como protagonista de fato no emblemĂĄtico ano de 1985. Um ano antes, na inauguração do SambodrĂłmo, a escola ia surpreender pelo desfile alegre e colorido em homenagem a Chico AnĂsio, garantido uma vaga inĂ©dita para os desfiles da campeĂŁs e, consequentemente, chegando ao sexto lugar no supercampeonato daquele ano realizado no sĂĄbado pĂłs-carnaval. Para 1985, as expectativas eram grandes e atravĂ©s da sinergia entre o trabalho do politizado Luiz Fernando Reis, em parceria com o figurinista FlĂĄvio Tavares, junto com o antolĂłgico samba composto por Almir de AraĂșjo, Balinha, Marquinho Lessa, HĂ©rcules e Carlinhos de Pilares colariam definitivamente a azul e branco no hall das agremiaçÔes histĂłricas da nossa folia.
A sintonia com o momento politico do paĂs, a estĂ©tica simples e comunicação direta, com a irreverĂȘncia e crĂtica dos "velhos tempos que nĂŁo voltam mais". Novamente sob o sol escaldante, a comunicação direta entre pĂșblico e a escola foi ainda mais presente fazendo os foliĂ”es na arquibancada evoluĂrem de um lado por outro. A escola amargaria apenas a quinta colação aquele ano, injustamente, mas ganharia o Estandarte de Ouro de Melhor Escola, o Ășnico da sua trajetĂłria.
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O visual poluĂdo e multi-colorido do desfile de 85 (Fonte: O Globo) |
A sintonia com o momento politico do paĂs, a estĂ©tica simples e comunicação direta, com a irreverĂȘncia e crĂtica dos "velhos tempos que nĂŁo voltam mais". Novamente sob o sol escaldante, a comunicação direta entre pĂșblico e a escola foi ainda mais presente fazendo os foliĂ”es na arquibancada evoluĂrem de um lado por outro. A escola amargaria apenas a quinta colação aquele ano, injustamente, mas ganharia o Estandarte de Ouro de Melhor Escola, o Ășnico da sua trajetĂłria.
1989 - "O que Ă© bom todo mundo gosta"
"Todos gostam do que Ă© bom / Tira a mĂŁo do meu paĂs / Se liga no que a histĂłria diz"
ApĂłs o marcante ano de 85, o trabalho de Luiz Fernando perderia sua sintonia com o pĂșblico e amargaria posiçÔes cada vez piores. A busca por melhores colocaçÔes atravĂ©s de uma estĂ©tica mais "sofisticada" faria o artista irreverente romper de vez com escola em 1987. Para o seu lugar, a dupla Renato Lage e LĂlian Rabello assumiria, vindo de bons desfiles pelo ImpĂ©rio Serrano. Com uma estreia simpĂĄtica em 88, numa apresentação sobre a histĂłria do cinema, a azul e branco voltaria a apostar um enredo com a sua identidade, bastante irreverente e ao mesmo tempo crĂtico: "O que Ă© bom, todo mundo gosta".
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Detalhe da alegoria sobre o Descobrimento do Brasil (Fonte: PĂĄgina Tantos Carnavais) |
O desfile propĂŽs contar ao pĂșblico sobre todas as riquezas que foram exportadas e exploradas no Brasil desde os tempos em que Cabral pisava neste solo verde e amarelo. O samba composto por Wanderlei Novidade, Paulinho Rocha, Vanico do Beco, Walter Pardal e Jorge 101, em seu tom satĂrico e bem humorado, denunciava os mĂșltiplos interesses dos diversos paĂses e empresĂĄrios que tanto extraĂram produtos do paĂs, citando atĂ© mesmo paraĂsos fiscais que eram e ainda sĂŁo destinos de um dinheiro provido do bolso do povo. Quanto Ă s alegorias e desenvolvimento do desfile, a dupla de carnavalescos muito agradou com um abre-alas que retratava a perda de todas as riquezas do Brasil em um cais, desde o pau-brasil, da Ă©poca colonial. Um outro carro tambĂ©m colocou o dedo na ferida do cenĂĄrio polĂtico: a alegoria representava o Congresso Nacional invadido por ratos que o roĂam, em um momento muito recente Ă redemocratização do paĂs. O samba nĂŁo contagiou como esperado a evolução da Caprichosos enfrentou alguns problemas. Assim, a escola terminou com o dĂ©cimo segundo lugar do Grupo Especial.
2005 - "Carnaval, Doce IlusĂŁo. A Gente Se Encontra Aqui, No Meio da MultidĂŁo. 20 Anos de Liga"
"Ă carnaval, Ă© samba a noite inteira / Mulata, cachaça, tem muita zoeira / Vem cĂĄ meu bem, me dĂȘ seu coração / E nĂŁo a bolsa, o relĂłgio e o cordĂŁo"
ApĂłs apostar na volta de Luiz Fernando Reis na dĂ©cada de 1990 sem o sucesso de outrora e patinar no especial e sofrer atĂ© um rebaixamento em 1996, a Caprichosos permaneceria um perĂodo sem mostrar sua identidade apostando em outras fĂłrmulas na busca de garantir melhores posiçÔes. Nos anos 2000, entretanto, a veia irreverente viria Ă tona sob o comando do carnavalesco Chico Spinoza, quando a escola de Pilares desfilou com o enredo "Carnaval, doce ilusĂŁo. A gente se vĂȘ aqui no meio da multidĂŁo: 20 anos de Liga", homenageando a segunda dĂ©cada da Liga Independente das Escolas de Samba. O samba de J.L. Froes, Danoninho, Edmar, Jorge 101, Fernando Lima, R. França e Lee Santana relembrou vĂĄrios outros sambas de desfiles marcantes que passaram na Avenida. Em seus versos, a letra fazia uma viagem do Sapoti da EstĂĄcio de SĂĄ ao Ita salgueirense, passando pela prĂłpria Caprichosos da Cabrocha Lili e da saudade, pela Kizomba do Povo de Noel. O Ășnico erro do desfile foi a citação aos desfiles da prĂłpria Caprichosos em 1982, e o do ImpĂ©rio Serrano com Bumbum Paticumbum Prugurudun, acontecido anos antes da criação da Liga.
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Alegoria sobre os grandes desfiles da Caprichosos em 2005 (Print do Youtuber) |
As atençÔes do desfile foram direcionadas, principalmente, para o grupo que trazia homens como porta-bandeiras e uma mulher no papel de mestre-sala. Uma alegoria de mais de 40m de comprimento representando a arquibancada da MarquĂȘs tambĂ©m foi destaque, composta por mais de 300 pessoas. O resultado, no entanto, nĂŁo foi dos melhores e trouxe o 11Âș lugar para a escola, que ainda conseguiu se manter no Grupo Especial. Outro destaque foi a alegoria representando os icĂŽnicos carnavais da azul e branco sob a batuta de Luiz Fernando Reis que ganhou atĂ© uma escultura representando.
2015 - "Na minha mĂŁo Ă© + barato"
"Tem escritĂłrio de samba quebrando a firma! / Quem dĂĄ mais no mestre-sala?
Quanto vale a tradição? / à mais barato aqui na minha mão"
ApĂłs o rebaixamento em 2006, a Caprichosos nĂŁo voltaria para o especial atĂ© hoje. Em 2011 viveria um outro momento crĂtico como o atual. ApĂłs um desfile desastroso assinado por Amauri Santos em 2011 sobre a vida no subĂșrbio e consequentemente um rebaixamento para o terceiro grupo, a Caprichosos louvaria sua prĂłpria histĂłria sacudindo a poeira e dando a volta por cima em 2012 quando fez uma homenagem a si mesma. A junção dos grupos A e B que geraria a atual SĂ©rie A seria benĂ©fica para a azul e branco, mantendo-a numa situação relativamente confortĂĄvel. O ponto fora da curva viria em 2015, quando o entĂŁo desconhecido Leandro Vieira foi chamada para assinar seu primeiro desfile solo.
Com carreira jĂĄ extensa nos bastidores da festa, Leandro surpreenderia Ă todos com seu talento artĂstico. Ao contar a histĂłria do mercado informal no Brasil, ele aliaria um tema mais histĂłrico contado Ă maneira divertida da Caprichosos, com direito a crĂtica a capitalização dos desfile no momento final. A comissĂŁo de frente trouxe uma brincadeira acerca dos camelĂŽs do centro do Rio e do famoso "rapa", alerta de quando os guardas chegam para levar as mercadorias. O samba, apesar de nĂŁo ser nenhuma obra-prima, cumpriria bem seu papel, levando Ă escola a fazer a sua Ășltima grande apresentação atĂ© aqui. O refrĂŁo do samba composto por Lee Santana, Geraldo Rodrigues, Marcelo Schimidt, Anderson Rodrigues, Queilo e Fernando de Lima criticava o valor do carnaval em seu refrĂŁo principal, e um questionamento do mesmo teor veio no Ășltimo carro da escola: "quanto vale o respeito ao samba". Com novos ares de um jovem e talentoso carnavalesco, a Caprichosos conquistou um confortĂĄvel 7Âș lugar na sĂ©rie A.
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A alegoria ironiza a polĂtica e clamava pelas diretas no ano de 1984. |
Marcada por sua identidade dada por um dos grandes artistas da nossa folia, a Caprichosos Ă© personagem do fundamental da trajetĂłria dos desfiles. Ă pela sua irreverĂȘncia e alegria que sempre lembraremos com carinho da agremiação, seja em seus tempos ĂĄureos ou em momentos de mais dificuldade. Ao longo de sua trajetĂłria, a Caprichosos, desde entĂŁo, alternou entre momentos bons e ruins, sempre se asfaltando e se aproximando do estilo que a tornou famosa. A escola em 2018 desfilarĂĄ pela SĂ©rie C, jĂĄ que nĂŁo passa por um momento tĂŁo favorĂĄvel, com direito a fortes brigas polĂticas. Homenageamos a escola na esperança da chegada de dias melhores, que trarĂŁo esta agremiação tĂŁo querida de volta Ă SapucaĂ, com sua identidade Ășnica que jamais deve ser perdida. E faz falta nos tempos atuais.